29 de outubro de 2014

Entender a sustentabilidade, José Eli da Veiga


Por José Eli da Veiga
Você sabia que está para terminar a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável 2005-2014, instituída pela ONU?
Sabia que a representação da Unesco no Brasil publicou em português o "Plano Internacional de Implementação" dessa chamada "Deds", já em maio de 2005?
Sabia que uma "Conferência Mundial sobre Educação para o Desenvolvimento Sustentável" foi realizada em Bonn, no início de 2009, para fazer o balanço dos primeiros anos da Deds e planejar os demais?
Entre 24 países, só o Brasil preferiu amesquinhar a sustentabilidade à bitola ambientalista
Não deve se preocupar o interessado no assunto que se surpreendeu ao ter de responder negativamente a tais perguntas. Nosso amplo, geral e irrestrito, desconhecimento sobre essas iniciativas se deve a uma peculiaridade nacional: a estranha preferência por uma "Educação Ambiental (EA)" que é contrária à valorização do "desenvolvimento". Uma postura atrasada do sistema educacional brasileiro que isolou o país em tentativa de remar contra a maré.
Difícil de acreditar? Pois então consulte os seis textos sobre "Educação Ambiental no Brasil" que o Ministério da Educação divulgou, em março de 2008, no periódico eletrônico "Salto para o Futuro" (ISSN 1982-0283). Na contramão da quase unanimidade mundial obtida pela ONU por meio da Unesco, essa publicação advoga a necessidade de combater a legitimação do "desenvolvimento sustentável", pois mais correto seria que a dimensão ambiental fosse desvinculada das implicações políticas, econômicas, sociais, culturais, etc., que sempre estiveram na essência da noção de "desenvolvimento".
Avessos ao crescente consenso que foi se formando a partir do início dos anos 1980 sobre o desenvolvimento sustentável como maior desafio deste século, os defensores da manutenção da EA acham que um real avanço da consciência ambiental precisa depreciar a noção de desenvolvimento. Por isso, fizeram o Brasil se opor à Deds, em nome da rejeição ambientalista a esse novo valor que é a sustentabilidade do desenvolvimento.
Para a Unesco "a educação para o desenvolvimento sustentável (EDS) deve incluir todos os âmbitos do desenvolvimento humano, abrangendo os desafios urgentes que o mundo enfrenta: direitos humanos, pela paz e segurança humana, igualdade de gênero, diversidade cultural e compreensão intercultural, saúde, HIV/Aids, governabilidade, recursos naturais, mudanças climáticas, desenvolvimento rural, urbanização sustentável, prevenção e atenuação de desastres naturais, redução da pobreza, responsabilidade e deveres das empresas e, enfim, a economia de mercado".
A "Declaração de Bonn", que saiu da conferência mundial de 2009, afirma que a EDS "enfatiza abordagens criativas e críticas, pensamento de longo prazo, inovação e capacitação para lidar com a incerteza e para resolver problemas complexos, realçando a interdependência entre meio ambiente, economia, sociedade e diversidade cultural, do nível local ao global, e tendo em conta o passado, presente e futuro".
Evidências sobre a excepcionalidade brasileira estão nos trabalhos de dois especialistas internacionais: o francês Pierre Clément e a italiana Silvia Caravita. Principalmente em amplo relatório de 2011 com foco exclusivo no ensino secundário, e em capítulo para o livro "Topics and Trends in Current Science Education" (Springer, 2014). Nos outros 23 países examinados não houve essa resistência em aceitar a superioridade da EDS. Só o Brasil preferiu amesquinhar a sustentabilidade à bitola ambientalista. Problema que talvez possa ser dissimulado pelo jargão "Educação para a Sustentabilidade" (EfS na sigla em inglês).
Não é por outro motivo que nossos professores do ensino médio pairam em generalidades quando precisam responder perguntas sobre os significados de "desenvolvimento sustentável" e "sustentabilidade". São raríssimos os que tiveram notícia de que a ONU instituiu o período 2005-2014 como a Década da EDS, e nenhum dos entrevistados em recente sondagem feita em São Paulo mostrou saber que existe o programa multimídia "Teaching and Learning for a Sustainable Future" disponibilizado pela Unesco desde 2010.
É imprescindível, portanto, uma iniciativa que ofereça apoio a professores do ensino médio dispostos a melhorar sua capacitação nesse âmbito temático. A proposta é que, com base nos resultados de conversas com autores dos melhores livros sobre sustentabilidade, que ocorrerão no Sindicato dos Professores (Sinpro/SP) no início de 2015, sejam depois produzidos curtos vídeos com o objetivo de disseminar o máximo possível a diferença entre cultura da sustentabilidade e reducionismo ambientalista. Uma experiência que certamente incentivará outras propostas voltadas à formação científica permanente daqueles que têm a missão de introduzir os jovens ao principal desafio do século XXI.
Tal iniciativa, intitulada "Entender a Sustentabilidade", que terá patrocínio do Instituto Natura, será apresentada e discutida na terça-feira 11 de novembro em workshop na Cidade Universitária (IEE/USP), para o qual os interessados poderão solicitar inscrição por e-mail: comunicação@iee.usp.br
José Eli da Veiga, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP e autor do e-book "The Global Disgovernance of Sustainability", escreve mensalmente às terças. Página web: www.zeeli.pro.br


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