USP cai e país fica sem universidade entre as 200 melhores do mundo
Após ocupar 158º lugar, Universidade de São Paulo perde 68 posições em ranking internacional
Unicamp também foi rebaixada; falta de inglês na sala de aula contribui para mau desempenho do Brasil
A USP (Universidade de São Paulo) perdeu pelo menos 68 posições no principal ranking internacional de universidades da atualidade e, pela primeira vez nos últimos três anos, o Brasil ficou sem nenhum representante entre as 200 melhores do mundo.
A instituição paulista passou do 158º lugar no ano passado para um grupo que vai do 226º ao 250º na nova lista do THE (Times Higher Education), publicação anual britânica divulgada desde 2004.
Ela era a única brasileira que figurava, desde 2011, entre as 200 primeiras.
A Unicamp (Universidade de Campinas) também caiu --e passou de 251º-275º para 301º-350º neste ano.
A posição específica no ranking não é informada a partir do 200º lugar --quando os resultados passam a ser separados por grupos.
A metodologia de 2013 é a mesma do ano anterior.
Para o editor do THE, Phil Baty, o resultado é "negativo para o Brasil". "Um país com seu tamanho e poder econômico precisa de universidades competitivas internacionalmente. É um golpe perder a única entre as 200 no topo."
O Brasil foi o único país que saiu do grupo com universidades entre as 200 melhores do mundo. Noruega, Espanha e Turquia entraram para o grupo de elite.
Os EUA continuam dominando. A "top" do mundo, Caltech, é norte-americana. Além disso, 77 das 200 melhores estão naquele país.
IMAGEM NO EXTERIOR
A divulgação do ranking influencia na imagem das universidades no exterior.
A lista avalia cinco itens principais (pesquisa, ensino, citações, inovação tecnológica e internacionalização).
A USP perdeu posições nos três primeiros. A Unicamp, nos dois primeiros e também em internacionalização.
Não há explicação clara, no entanto, para a perda em cada item avaliado. O que se sabe é que, em quase todos os aspectos, a presença do inglês conta pontos, de acordo com Rogério Meneghini, cienciometrista da USP.
Phil Baty diz que a baixa internacionalização é um dos principais pontos fracos para os resultados das brasileiras.
A quantidade de citações de artigos científicos por outros pesquisadores, por exemplo, cai se os trabalhos estiverem em português.
Esse critério vale 30% dos pontos recebidos por cada universidade no THE.
"É preciso incentivar o uso do inglês na sala de aula. Muitos países que não são de língua inglesa já usam o inglês no meio acadêmico", diz.
De acordo com Leandro Tessler, físico da Unicamp e especialista em relações internacionais, há uma resistência interna nas universidades brasileiras ao inglês.
"Temos a tradição de refutar cursos em inglês na universidade, como se fosse uma questão de soberania", disse.
A USP informou que está investindo em internacionalização e justificou: "falamos um idioma que não é internacional e não estamos localizados no centro do mundo".
O diretor da Poli e candidato à reitoria da USP, José Roberto Cardoso, disse que os rankings são recentes e que as brasileiras não são "preparadas para fornecer dados".
Renato Pedrosa, coordenador do grupo de estudos de ensino superior da Unicamp, questiona os critérios a partir do 100º lugar. "A USP ou a Unicamp não podem ter piorado tanto em um ano nem as demais melhorado tanto."
RIO - Dentre as 200 melhores universidades do mundo, nenhuma é brasileira. Pelo menos, é o que se conclui a partir do Ranking Mundial de Universidades 2013-2014, divulgado nesta quarta-feira pela consultoria britânica Times Higher Education (THE). O Instituto de Tecnologia da Califórnia encabeça a relação, à frente das prestigiadas universidades de Harvard e Oxford.
A cada ano, a agência lista as 400 instituições de ensino superior de maior excelência acadêmica mundo afora. Em 2012, a USP figurava como a única brasileira entre as 200 primeiras, na 158ª posição. Este ano, a universidade escorregou para a 226ª colocação.
A relação da THE difere da lista divulgada pela QS, outra consultoria britânica, em agosto. Naquele ranking, o Brasil tinha três instituições entre as 300 primeiras: USP em 127º lugar, Unicamp em 215º e UFRJ em 284º.
Na avaliação da THE, dentre as 400 melhores, o Brasil é representado ainda pela Unicamp, que também teve declínio em comparação com o ano passado. Da 251-275ª colocação em 2012, a instituição de Campinas (SP) caiu para a banda entre 301-350. Vale lembrar que da 201ª a 300ª colocação, a THE conta posições em grupos de 15 casas. Já de 300 a 400, a consultoria lista dois intervalos de 50.
No topo do ranking, permanecem as mesmas instituições de levantamentos anteriores. O Instituto de Tecnologia da Califórnia lidera, seguido pela Universidade de Harvard e pela Universidade de Oxford. Das 10 primeiras colocadas, sete são americanas, e as outras três, do Reino Unido. Entre os países que compõem a sigla Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), apenas os chineses e os sul-africanos têm instituições entre as 200 primeiras. Uma novidade de destaque é a Universidade do Bósforo, da Turquia, na 199ª posição.
A pesquisa é baseada em 13 indicadores divididos entre as seguintes áreas: ensino (30% da pontuação geral do ranking) leva em consideração qualidade e reputação do ensino praticado; pesquisa (30%) mede a relevância das pesquisas desenvolvidas; citações (30%) é a frequência com que trabalhos da universidade são citados em pesquisas ao redor do mundo; presença na indústria (2,5%) mede a utilização de tecnologias e ideias desenvolvidas pelas universidades nas industrias; e perspectiva internacional (7,5%, leva em consideração a diversidade de alunos de diferentes origens dentro da universidade.
De acordo com o editor da Times Higher Education, Phil Baty, a maior falha do Brasil é no quesito pesquisa. Para Baty, as universidades públicas do país ficam presas em um sistema burocrático que as impede de ter flexibilidade e poder de atração de acadêmicos renomados, contribuindo para que essas instituições não produzam trabalhos de peso.
- As universidades falham na burocracia, em recrutar especialistas no exterior. Não podem oferecer salários para atrair os melhores acadêmicos no mundo. Elas não têm liberdade e flexibilidade para responder às demandas do livre mercado e do conhecimento.
Embora acredite que o programa Ciência Sem Fronteiras (CsF) ajudará o Brasil a internacionalizar suas instituições de ensino a longo prazo, Baty afirmou que o meio acadêmico brasileiro ainda é fechado a línguas estrangeiras. Ele também citou universidades asiáticas que adotaram o inglês como a segunda língua nos campi.
- Se pegarmos as instituições chineses ou coreanas, vamos ver inúmeros cursos e professores utilizando o inglês. Mas isso ainda é exceção no Brasil - disse Baty.
Para a pró-reitora de Pesquisa da Unicamp, Gláucia Maria Pastore, o recuo no ranking não significa que a instituição regrediu quanto à qualidade de seu ensino e pesquisa. Segundo ela, o fato reflete um aumento na produtividades das demais instituições.
- A Unicamp não deixou de produzir pesquisas relevantes, nem diminuiu o volume de sua produção. Mas, como o ranking é comparativo, podemos ter instituições que tiveram números maiores. Entretanto, isso não significa que devemos ficar conformados. Temos que trabalhar para aumentar ainda mais o nosso desempenho - justificou.
De acordo com Gláucia, a Unicamp adotou, nos últimos anos, uma série de atitudes em prol da internacionalização da universidade que certamente refletirão em melhores resultados. É o caso da criação da Vice-reitoria para Assuntos Internacionais, com o objetivo de facilitar a interação dos docentes com outros países.
- Também buscamos mais integração com o restante da América Latina, através de seminários e workshops que envolvem vários países. Fora isso, passamos a incentivar nossos estudantes ao envolvimento com a pesquisa já no começo da sua carreira acadêmica - completou.
Gláucia também comentou a crítica de Phil Baty sobre a burocratização das instituições brasileiras. Segundo ela, isso não deve ser visto como uma tônica de todo o país:
- Na Unicamp, por exemplo, buscamos fazer com que a burocracia seja cada vez menos impeditiva. Em nossos programas mais recentes, o mote é justamente facilitar a vinda de profissionais de outros países, assim como a saída de discentes. Precisamos reconhecer que estamos crescendo no país em termos de universidade, e isso vai começar a repercutir daqui para frente - avaliou.
O GLOBO entrou contato com a reitoria da USP para que comentasse o assunto, mas não obteve resposta.
A queda da USP e da Unicamp neste ano no ranking THE precisa ser colocada em perspectiva mais ampla, tanto pelo que reflete com fidelidade a respeito do ensino superior brasileiro quanto pelo lado mais questionável desse tipo de avaliação.
O THE informa que os dois componentes que mais pesaram na queda foram pioras na pesquisa de reputação e no impacto da pesquisa produzida nessas universidades. São elementos bem diferentes.
A reputação é medida basicamente por questionários enviados a milhares de acadêmicos mundo afora. Não parece improvável que possa sofrer variações bruscas ano a ano. E, claro, a reputação é o clássico exemplo do fenômeno "quem é rico fica mais rico": a chance de Harvard, MIT e Oxford concentrarem as menções é sempre muito mais elevada.
Por outro lado, o intercâmbio internacional relativamente baixo e o pouco domínio do inglês são fatores reais que podem barrar um aumento mais consistente da reputação.
A coisa fica mais objetiva, porém, quando se fala no impacto da pesquisa, medido por citações --quantas vezes um artigo científico é citado por pesquisadores mundo afora.
Nesse ponto, o consenso entre especialistas parece ser que o Brasil teve sucesso em aumentar o volume de artigos --é a 13ª nação em número--, mas a qualidade, medida (de modo cru, é verdade) pelo total de citações, deixa a desejar.
Seria um erro, porém, considerar essa uma barreira intransponível. No ranking por áreas do conhecimento, o THE coloca a USP num honroso 93º lugar em ciências biológicas.
O desafio, portanto, parece ser superar a "adolescência" focada na produção bruta de muitos artigos e identificar as áreas de pesquisa nas quais é possível fazer a diferença.
A cada ano, a agência lista as 400 instituições de ensino superior de maior excelência acadêmica mundo afora. Em 2012, a USP figurava como a única brasileira entre as 200 primeiras, na 158ª posição. Este ano, a universidade escorregou para a 226ª colocação.
A relação da THE difere da lista divulgada pela QS, outra consultoria britânica, em agosto. Naquele ranking, o Brasil tinha três instituições entre as 300 primeiras: USP em 127º lugar, Unicamp em 215º e UFRJ em 284º.
Na avaliação da THE, dentre as 400 melhores, o Brasil é representado ainda pela Unicamp, que também teve declínio em comparação com o ano passado. Da 251-275ª colocação em 2012, a instituição de Campinas (SP) caiu para a banda entre 301-350. Vale lembrar que da 201ª a 300ª colocação, a THE conta posições em grupos de 15 casas. Já de 300 a 400, a consultoria lista dois intervalos de 50.
No topo do ranking, permanecem as mesmas instituições de levantamentos anteriores. O Instituto de Tecnologia da Califórnia lidera, seguido pela Universidade de Harvard e pela Universidade de Oxford. Das 10 primeiras colocadas, sete são americanas, e as outras três, do Reino Unido. Entre os países que compõem a sigla Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), apenas os chineses e os sul-africanos têm instituições entre as 200 primeiras. Uma novidade de destaque é a Universidade do Bósforo, da Turquia, na 199ª posição.
A pesquisa é baseada em 13 indicadores divididos entre as seguintes áreas: ensino (30% da pontuação geral do ranking) leva em consideração qualidade e reputação do ensino praticado; pesquisa (30%) mede a relevância das pesquisas desenvolvidas; citações (30%) é a frequência com que trabalhos da universidade são citados em pesquisas ao redor do mundo; presença na indústria (2,5%) mede a utilização de tecnologias e ideias desenvolvidas pelas universidades nas industrias; e perspectiva internacional (7,5%, leva em consideração a diversidade de alunos de diferentes origens dentro da universidade.
De acordo com o editor da Times Higher Education, Phil Baty, a maior falha do Brasil é no quesito pesquisa. Para Baty, as universidades públicas do país ficam presas em um sistema burocrático que as impede de ter flexibilidade e poder de atração de acadêmicos renomados, contribuindo para que essas instituições não produzam trabalhos de peso.
- As universidades falham na burocracia, em recrutar especialistas no exterior. Não podem oferecer salários para atrair os melhores acadêmicos no mundo. Elas não têm liberdade e flexibilidade para responder às demandas do livre mercado e do conhecimento.
Embora acredite que o programa Ciência Sem Fronteiras (CsF) ajudará o Brasil a internacionalizar suas instituições de ensino a longo prazo, Baty afirmou que o meio acadêmico brasileiro ainda é fechado a línguas estrangeiras. Ele também citou universidades asiáticas que adotaram o inglês como a segunda língua nos campi.
- Se pegarmos as instituições chineses ou coreanas, vamos ver inúmeros cursos e professores utilizando o inglês. Mas isso ainda é exceção no Brasil - disse Baty.
Para a pró-reitora de Pesquisa da Unicamp, Gláucia Maria Pastore, o recuo no ranking não significa que a instituição regrediu quanto à qualidade de seu ensino e pesquisa. Segundo ela, o fato reflete um aumento na produtividades das demais instituições.
- A Unicamp não deixou de produzir pesquisas relevantes, nem diminuiu o volume de sua produção. Mas, como o ranking é comparativo, podemos ter instituições que tiveram números maiores. Entretanto, isso não significa que devemos ficar conformados. Temos que trabalhar para aumentar ainda mais o nosso desempenho - justificou.
De acordo com Gláucia, a Unicamp adotou, nos últimos anos, uma série de atitudes em prol da internacionalização da universidade que certamente refletirão em melhores resultados. É o caso da criação da Vice-reitoria para Assuntos Internacionais, com o objetivo de facilitar a interação dos docentes com outros países.
- Também buscamos mais integração com o restante da América Latina, através de seminários e workshops que envolvem vários países. Fora isso, passamos a incentivar nossos estudantes ao envolvimento com a pesquisa já no começo da sua carreira acadêmica - completou.
Gláucia também comentou a crítica de Phil Baty sobre a burocratização das instituições brasileiras. Segundo ela, isso não deve ser visto como uma tônica de todo o país:
- Na Unicamp, por exemplo, buscamos fazer com que a burocracia seja cada vez menos impeditiva. Em nossos programas mais recentes, o mote é justamente facilitar a vinda de profissionais de outros países, assim como a saída de discentes. Precisamos reconhecer que estamos crescendo no país em termos de universidade, e isso vai começar a repercutir daqui para frente - avaliou.
O GLOBO entrou contato com a reitoria da USP para que comentasse o assunto, mas não obteve resposta.
ANÁLISE
Brasil não prioriza intercâmbio e qualidade de artigos científicos
REINALDO JOSÉ LOPESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA,3/10/2013A queda da USP e da Unicamp neste ano no ranking THE precisa ser colocada em perspectiva mais ampla, tanto pelo que reflete com fidelidade a respeito do ensino superior brasileiro quanto pelo lado mais questionável desse tipo de avaliação.
O THE informa que os dois componentes que mais pesaram na queda foram pioras na pesquisa de reputação e no impacto da pesquisa produzida nessas universidades. São elementos bem diferentes.
A reputação é medida basicamente por questionários enviados a milhares de acadêmicos mundo afora. Não parece improvável que possa sofrer variações bruscas ano a ano. E, claro, a reputação é o clássico exemplo do fenômeno "quem é rico fica mais rico": a chance de Harvard, MIT e Oxford concentrarem as menções é sempre muito mais elevada.
Por outro lado, o intercâmbio internacional relativamente baixo e o pouco domínio do inglês são fatores reais que podem barrar um aumento mais consistente da reputação.
A coisa fica mais objetiva, porém, quando se fala no impacto da pesquisa, medido por citações --quantas vezes um artigo científico é citado por pesquisadores mundo afora.
Nesse ponto, o consenso entre especialistas parece ser que o Brasil teve sucesso em aumentar o volume de artigos --é a 13ª nação em número--, mas a qualidade, medida (de modo cru, é verdade) pelo total de citações, deixa a desejar.
Seria um erro, porém, considerar essa uma barreira intransponível. No ranking por áreas do conhecimento, o THE coloca a USP num honroso 93º lugar em ciências biológicas.
O desafio, portanto, parece ser superar a "adolescência" focada na produção bruta de muitos artigos e identificar as áreas de pesquisa nas quais é possível fazer a diferença.