Wiktor Dabkowski/Xinhua | ||
George Soros durante um discurso na Bélgica, em 2014 |
Dirigido por Pedro Abramovay, ex-secretário nacional de Justiça (2011), o braço latino americano da entidade filantrópica recebeu investimento de cerca de R$ 106 milhões, pequena parcela dos mais de R$ 2,5 bilhões gastos pela fundação apenas em 2014.
Terceiro magnata mais rico do mundo, renomado como "o homem que quebrou o Banco Central Britânico", Soros hoje está afastado da administração dos fundos de investimento nos quais fez fama e fortuna. Está mais interessado promover a caridade e aperfeiçoar sua teoria filosófica que, diz, sempre guiou seus negócios e suas doações.
Em entrevista à Folha, Soros explicou porque investe em temas polêmicos, como a legalização das drogas, e avaliou que o Brasil precisa de legislação favorável para ver seu crescente número de bilionários dividirem parte de suas riquezas. Leia a seguir.
Folha - Você é um dos maiores investidores e filantropos do mundo. A imagem do capital especulativo, no entanto, parece não combinar com a ideia de altruísmo.
George Soros - O meu sucesso no mercado financeiro veio primeiro. Era um administrador de fundos muito bem-sucedido, mas não podia dispor daquele dinheiro. Tinha apenas de multiplicá-lo. Quando tive dinheiro suficiente para fazer filantropia, foi o que fiz.
Filantropia não é apenas uma maneira de limpar a barra de negócios que causam danos e crises?
Muitas vezes, é exatamente isso o que ocorre. Mas eu não acho que tivesse nada para limpar por meio da filantropia. O que ocorre é que tenho uma filosofia que me guiou tanto em ganhar dinheiro como em usá-lo para filantropia.
Que filosofia é essa?
Fui orientado pelo filósofo Karl Popper (1902-1994), que escreveu "Open Society and Its Enemies" ("A Sociedade Aberta e Seus Inimigos", ed. Itatiaia), e por suas ideias a respeito do pensamento crítico e do fato de que nosso entendimento da realidade é sempre imperfeito. Entendi que há conexões reflexas entre a percepção que as pessoas têm da realidade -que nunca é a realidade em si-, e o impacto que essas pessoas exercem sobre a realidade, modificando-a a partir daquela noção particular do real. Passei a confrontar a teoria econômica que prega eficiência dos mercados e expectativas racionais. Assim como questiono a divisão entre política e economia, que são conectadas de forma reflexiva, do meu ponto de vista.
O tipo de mercado financeiro que temos é grande fonte de incertezas porque não é perfeito nem estável. Mas precisamos tomar decisões neste ambiente. E isso gerou o tripé no qual é baseada minha filosofia: incerteza, falibilidade e reflexividade.
Foi com esse pensamento que eu antecipei e expliquei a crise financeira de 2008 melhor do que muita gente. E passei a acreditar que minhas ideias podem contribuir para o entendimento da realidade.
Mas o que essa filosofia tem a ver com filantropia?
Essa filosofia faz com que eu esteja atento à natureza insolúvel de muitos dos problemas do mundo, que emergem das contradições e dos impasses da sociedade contemporânea, mas que podem ser ajustados. Pegue o direito a privacidade e o direito à segurança, na expressão da proteção contra o terrorismo, por exemplo. Não se pode atingir privacidade absoluta nem segurança absoluta contra o terrorismo. É preciso fazer acordos para reconciliar uma coisa a outra. A Open Society Foundation foi criada para se envolver naquilo que eu considero serem os principais problemas que afetam a humanidade e atingem especialmente as pessoas mais vulneráveis, que já são as que mais sofrem.
Empresas tendem a investir em temas pouco arriscados na área de responsabilidade social. Você escolhe temas controversos. Por que?
Escolho os temas para os quais acho que nossa contribuição pode ir além do dinheiro, promovendo um melhor entendimento dos problemas. A questão da tomada de decisão em condições de incerteza é a base do meu sucesso no mercado financeiro. A mesma base funciona no êxito que obtemos como organização filantrópica. É onde a minha filosofia se conecta com a filantropia. Nosso programas lidam com questões tão diversas como mudanças climáticas e regulação dos recursos cibernéticos, migrações e política de drogas.
Seus críticos dizem que você teria uma agenda secreta no debate sobre legalização das drogas. Quais são seus interesses nesta questão?
Acho que dependência de drogas é um problema insolúvel porque, de alguma maneira, é inerente à natureza humana. Nem todo mundo se torna dependente de drogas, mas algumas pessoas, sim. E eu não conheço a solução para isso, mas sei que a guerra às drogas, que trata aqueles que sofrem de dependência como criminosos, tem causado mais danos do que a dependência em si. Um dos objetivos da fundação é o que chamamos de redução de danos. Neste caso, Então, esforços têm sido apontar os efeitos danosos da guerra às drogas.
Como avalia as mudanças ocorridas neste campo no mundo?
Acho que temos sido bem-sucedidos neste campo. Houve grande avanço, especialmente vindo da América Latina, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso se aposentou e reuniu outros ex-presidentes latino americanos para tratar dos problemas da proibição às drogas. Depois de 25 anos de esforços da fundação neste debate, considero que tivemos avanços.
Os EUA vão legalizar a maconha?
Acho que a legalização da maconha está praticamente assegurada nos EUA. Já ocorreu em três Estados e deve irradiar para o restante do país independente da atuação de organizações como a minha.
Qual é o próximo passo?
Agora temos que fazer algo a respeito das chamadas drogas pesadas, para as quais a legalização parece não se aplicar. Neste caso, a descriminalização parece ser uma boa resposta. Assim, o caminho seria distinguir quem usa de quem produz e vende drogas, explorando a fraqueza dos dependentes, que são mais vulneráveis porque são tratados como criminosos quando são vítimas.
Este será o foco de atuação do escritório da fundação no Rio?
Estamos expandindo nossas atividades na América Latina, investindo US$ 36 milhões. Criamos um conselho para a América Latina, formado por pessoas daqui, que é a instância que vai decidir qual será a agenda do escritório regional.
O número de bilionários brasileiros cresceu, e sabe-se alguns deles fazem doações para a Universidade de Harvard e para o MOMA, de Nova York, mas não praticam filantropia por aqui. Por que?
Acho que é por causa da estrutura fiscal do Brasil. Nos EUA, eu posso doar metade do meu salário para filantropia e abater esse valores do meu imposto de renda. O dinheiro que iria para a receita federal acaba indo para a filantropia, o que é uma grande indução à doação. Os impostos pesados sobre heranças também podem ser doados para filantropia. Tenho a impressão de que o Brasil precisa de uma legislação similar.
Nem todo bilionário é um filantropo, mas haverá um número maior de bilionários brasileiros inclinados à filantropia se houver uma legislação favorável. O Brasil poderia aumentar impostos sobre heranças, dando isenção para quem doar esse montante para filantropia. Taxas e impostos devem servir para redistribuir renda dos mais ricos para os mais pobres.
RAIO-X
Nascimento: 12/8/1930, na Hungria (tem nacionalidade americana)
Carreira: presidente da Soros Fund Management LLC; fundador da Open Society Foundations
Formação: London School of Economics
Livro: "O Novo Paradigma para os Mercados Financeiros: A Crise Atual e o que Ela Significa"
Nenhum comentário:
Postar um comentário