15 de abril de 2015
"Não há país tecnologicamente inovador sem Educação", afirma o pesquisador
Fonte: O Globo (RJ)
Um dos maiores estudiosos de pobreza e desigualdade, Ricardo Paes de Barros, ou PB, como é conhecido, volta à sala de aula, no Insper, para tratar dos problemas sociais que encarou em quase cinco anos na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência. Abaixo, a íntegra da entrevista.
Chegou ao fim aquele ciclo de ganhos baseado na renda?
Não há nada real na economia brasileira que diga que batemos em algum um teto. Temos uma economia desarrumada. Temos que partir para uma arrumação rápida, aproveitar esse momento de mudanças para fazer mudanças estruturais que vão permitir que, quando sairmos dessa arrumação, entremos numa trajetória de crescimento acelerado.
Seria uma pausa?
É um acúmulo de pouco cuidado com os fundamentos da economia. Se se organiza isso, aproveita-se essa oportunidade que está crescendo pouco e até decrescendo para se arrumar questões institucionais, melhorar o ambiente de negócios, melhorar nossa política tecnológica, podemos sair com uma rota de crescimento forte. Evidentemente que no curto prazo a maioria ou pelo menos parte da sociedade brasileira vai sofrer bastante.
Os mais pobres vão sofrer mais?
Não sei se os mais pobres. Vai depender de como o governo vai ajustar o gasto público porque a renda dos mais pobres está muito atrelada à maneira como o governo gasta. Uma das coisas que mais afetaram a pobreza foi a interiorização do gasto público. O Brasil passou a gastar muito mais nos pequenos municípios, seja por transferência de renda, seja por aumento em gasto em educação, saúde e infraestrutura. O Brasil interiorizou o gasto público. Se quando for cortar o gasto, não tirar aí, você pode não ter tanto impacto sobre a pobreza.
O senhor vê intenção de poupar os pobres no ajuste fiscal?
É preciso ver como esse ajuste fiscal vai ser feito. Se for feito com preocupação com a população mais pobre, é possível passar sem grandes problemas com a pobreza. É claro que isso desde que a flutuação do crescimento econômico seja de curta duração, se fizer isso em dois anos, não mais que isso. Uma pequena cidade do interior tem um certo isolamento do que acontece com o carro-chefe da economia brasileira.
E nas capitais?
Vai ter muito mais problema. É onde os pobres são muito mais sensíveis ao que vai acontecer na economia. Esse pobre está muito mais vulnerável ao que vai ocorrer na economia e muito menos protegido com o gasto público, fora as transferências de renda, mas elas não são a coisa mais importante para combater a pobreza.
Na medida que a informalidade e o desemprego aumentem nas grandes cidades, a pobreza vai aumentar e talvez seja preciso políticas mais locais para isso. O grande ponto do Brasil como um todo é saber como que precisa cortar o gasto, em que medida vamos garantir em termos reais a sustentabilidade do gasto público nesses programas todos.
O senhor calcula quanto esse ajuste pode custar em termos sociais?
É um discussão fundamental, mas não trabalhei nisso. Se o gasto do BNDES diminuir muito, o gasto para os municípios no interior, com os programas sociais, não precisam diminuir tanto. Esse padrão vai ser muito importante.
Tem a impressão de que o debate econômico ficou restrito à questão fiscal?
A melhor política social hoje no Brasil é o crescimento econômico. O que conseguimos nos últimos dez anos foi conectar a maior parte da população brasileira ao carro-chefe da economia brasileira, ligou ao mainstream. Integramos a economia. Isso é um ativo impressionante, toda a formalização, o assalariamento. Promovemos uma integração fantástica da economia brasileira.
Antes, se a economia brasileira ia bem ou mal, os pobres ficavam isolados disso. Agora estão se beneficiando de uma maneira mais direta. É uma coisa aparecida com abrir a economia. Quando se abre a economia, se dá um salto porque se aproveita todos os ganhos de troca.
Depois que você se conectou a uma economia global, se ela não cresce, não se vai para ligar nenhum. A nossa classe média baixa e pobres tiveram um ganho de ser conectado à economia brasileira e a dinâmica vai depender de a economia brasileira deslanchar e aí eles vão junto. O crescimento é vital, e a questão fiscal é vital para a retomada do crescimento.
A questão fiscal é vital para a proteção da pobreza. O ajuste fiscal é super importante no combate à pobreza, precisa ser feito com cuidado para não perdermos os ganhos e sem ele não vamos ter o crescimento de que precisamos para continuar reduzindo a pobreza.
A mudança no seguro-desemprego e no abono salarial traz mais produtividade?
Nesses casos, tinha-se mais uma preocupação de reduzir gasto do que diminuir rotatividade. Isso requer mudanças inteligentes na forma como toda a legislação trabalhista é feita. Pode até haver mudanças que gerem aumento de gastos imediato como, por exemplo, redirecionar o gasto com qualificação profissional para o trabalhador empregado. Atualmente, gasta-se muito para qualificar o desempregado. Se for dado a cada trabalhador o direito de fazer um treinamento de 40 horas todo o ano, isso muda. O desempregado não vai fazer um curso aleatório, mas vai fazer um curso do meu interesse como empresário.
A ideia é que cada trabalhador tenha o direito de um cupom com 40 horas de qualificação todo o ano. Posso fazer um plano de carreira para o empregado. Isso reduz a rotatividade e todo tipo de gasto com seguro-desemprego e aí você dá a esse trabalhador um abono salarial.
Existe uma possibilidade de que não estejamos tão na lanterna da produtividade?
Existe. Não olhei com cuidado as novas Contas Nacionais. Parece que houve uma redução do deflator implícito do PIB. Quer dizer que, na verdade, o produto real brasileiro cresceu mais. Se o produto cresceu mais a produtividade não cresceu tão pouco. Ainda não tive tempo de calcular, mas alguns que já fizeram disseram que a mudança é relativamente pequena. Então temos um crescimento de produtividade lento, apesar da revisão das Contas Nacionais, o que significa que continuamos com uma taxa de inflação, pelo deflator implícito do PIB, muito maior do que usamos, maior que a que o BC está preocupado. Se essa inflação é realmente muito mais alta, a produtividade brasileira cresce muito lentamente. O crescimento da produtividade lento com um crescimento da renda domiciliar per capita real alta, toda essa diferença está nos índices de preços. Acho que devíamos fazer uma discussão mais profunda sobre o porquê desses índices de inflação indicarem números tão diferentes. Como um pode ser 6% e o outro 7% todo ano. É claro que, num ano, um pode passar o outro, mas sistematicamente ter um índice de inflação um ponto percentual acima do outro, isso mostra uma mudança nos preços relativos muito grande. Se esses índices estão tentando captar a mesma coisa, isso não poderia acontecer sistematicamente. A menos que um esteja captando a inflação do pobre e o outro a inflação geral da economia. Acho que deveríamos ter o IBGE mais engajado em explicar essa diferença.
Os programas de transferência de renda estão consolidados?
Fizemos um passo importante ao consolidar os programas no início do governo Lula e temos que continuar tentando integrar os programas, como por exemplo a França fez. Criar um sistema de transferência para que a pessoa que consiga um emprego formal, não perca nada, mas ganhe na renda familiar. É preciso trabalhar nos incentivos na medida que eu recebo X de Bolsa Família, se eu virar empregado formal eu vou receber Y do abono salarial, é preciso ajustar o Y com o X da Bolsa Família, para que a pessoa não veja uma perda. Queremos integrar os sistemas de transferências de renda de modo a incentivar as pessoas a conseguir trabalho e formal. É perfeitamente possível um sistema de transferência de renda generoso que promova a redução da pobreza desde que seja inteligente. Se você conseguir emprego formal você perde o BF, mas uma das ideias do Ministério do Desenvolvimento Social é se você perder o emprego automaticamente volta a receber o BF. Isso é uma maneira de incentivar as pessoas a trabalhar no setor formal sem tirar a proteção.
A nova classe média pode viver um retrocesso social?
Sou mais otimista e digo que não sei. Se a nossa flutuação econômica for de curta duração e se o corte dos gastos públicos for cuidadoso, acho que ela pode ser muito pouco afetada e pode, com a retomada do crescimento, melhorar bastante. Tem alguns grupos que podem ser dramaticamente afetados. Um ajuste econômico desse nunca é neutro. Setores como a indústria, os serviços, mas tudo vai depender do que ocorrer no gasto público.
O baixo crescimento já não começou a bater no social?
Temos que diferenciar entre não estar melhorando e estar piorando. Se o pobre ou a classe média achar que vai melhorar nos próximos anos é delírio. A questão é se eles vão piorar, se vamos retroceder. As flutuações da Pnad ainda estão estatísticas, dentro de um intervalo de confiança. Acho que pobreza não vai cair, mas daí a renda dos pobres começar a cair é outra coisa. Há grupos de pessoas da classe média e de pobres que vão sofrer muito, dependendo do que vai ocorrer na construção civil, mas o Brasil passou pela crise de 2008/2009 e a pobreza não subiu, ali fomos cuidadosos sobre o que fazer com o gasto público. Os gastos público e a gestão dele tem um poder enorme para segurar a pobreza. Vai depender também se o salário-mínimo vai se manter em termos reais e se houver um corte do gasto público pró-pobre, pode-se segurar e não aumentar a pobreza significativamente.
E a desigualdade?
Pode até cair porque o rico pode perder muito mais. Se o BNDES reduzir as operações dele pode haver um impacto na indústria moderna e as famílias mais ricas podem sofrer mais que as mais pobres. Não é claro que as mais pobres vão sofrer mais, não foi isso que ocorreu em 2009.
Quais os desafios de longo prazo da sociedade brasileira?
Temos um desafio de longo prazo que é aumentar produtividade, se não resolver esse não vai se resolver nenhum outro. Todo ganho de políticas sociais brasileiras, todo ganho da classe média vai depender de um longo prazo sustentável. Para esse crescimento ocorrer, precisamos de avanços tecnológicos e na política educacional precisamos de uma revolução porque estamos muito devagar. Estamos lentos e mal na educação, de todas as metas do Movimento Todos pela Educação (para a educação básica) não cumprimos nenhuma a não ser a de (ampliação dos) gastos. É muito grave, sem isso não vamos conseguir não vamos conseguir ganhos de produtividade. Não há país tecnologicamente inovador sem educação. E precisamos de mais investimento em capital e para isso de mais poupança. Precisamos trabalhar para as famílias se endividarem menos e pouparem mais. O principal problema é o crescimento da produtividade que está baseado nessas três coisas: tecnologia, capital humano e capital físico. A questão da poupança é importante porque estamos em um processo de envelhecimento muito rápido, seis vezes mais rápido que a França envelheceu. Sempre que isso ocorrer, precisa-se mudar a política pública, mudar a idade de aposentadoria, as regras da Previdência e combater a desigualdade de oportunidades. Não podemos permitir que crianças de ambientes familiares diferentes tenham oportunidades de escola e de saúde tão grandes quanto temos hoje, e que homens e mulheres, crianças e negros sejam tratados de maneira tão diferentes.
A onda de pessimismo será revertida?
A questão é não tem nada no mundo, na economia, realmente ameaçando a sociedade brasileira. O problema da sociedade brasileira é a própria sociedade brasileira. Não sofremos um desastre natural, ou a perda nos termos de troca gigantescos ou guerras. Temos um país com um grande parque industrial, com nível de saúde e educação razoável, com recursos naturais gigantesco. Se soubermos organizar e sentarmos na mesa, veremos que no curto prazo existem custos, mas que podemos sair com uma taxa de crescimento fantástica. Está na hora de aprender a dialogar. Vários países foram bem-sucedidos quando várias forças sentaram na mesa e disseram que estava na hora de falar sério. A política que estamos fazendo hoje todo mundo praticamente concorda, precisa de diálogo e abnegação.
Chegou ao fim aquele ciclo de ganhos baseado na renda?
Não há nada real na economia brasileira que diga que batemos em algum um teto. Temos uma economia desarrumada. Temos que partir para uma arrumação rápida, aproveitar esse momento de mudanças para fazer mudanças estruturais que vão permitir que, quando sairmos dessa arrumação, entremos numa trajetória de crescimento acelerado.
Seria uma pausa?
É um acúmulo de pouco cuidado com os fundamentos da economia. Se se organiza isso, aproveita-se essa oportunidade que está crescendo pouco e até decrescendo para se arrumar questões institucionais, melhorar o ambiente de negócios, melhorar nossa política tecnológica, podemos sair com uma rota de crescimento forte. Evidentemente que no curto prazo a maioria ou pelo menos parte da sociedade brasileira vai sofrer bastante.
Os mais pobres vão sofrer mais?
Não sei se os mais pobres. Vai depender de como o governo vai ajustar o gasto público porque a renda dos mais pobres está muito atrelada à maneira como o governo gasta. Uma das coisas que mais afetaram a pobreza foi a interiorização do gasto público. O Brasil passou a gastar muito mais nos pequenos municípios, seja por transferência de renda, seja por aumento em gasto em educação, saúde e infraestrutura. O Brasil interiorizou o gasto público. Se quando for cortar o gasto, não tirar aí, você pode não ter tanto impacto sobre a pobreza.
O senhor vê intenção de poupar os pobres no ajuste fiscal?
É preciso ver como esse ajuste fiscal vai ser feito. Se for feito com preocupação com a população mais pobre, é possível passar sem grandes problemas com a pobreza. É claro que isso desde que a flutuação do crescimento econômico seja de curta duração, se fizer isso em dois anos, não mais que isso. Uma pequena cidade do interior tem um certo isolamento do que acontece com o carro-chefe da economia brasileira.
E nas capitais?
Vai ter muito mais problema. É onde os pobres são muito mais sensíveis ao que vai acontecer na economia. Esse pobre está muito mais vulnerável ao que vai ocorrer na economia e muito menos protegido com o gasto público, fora as transferências de renda, mas elas não são a coisa mais importante para combater a pobreza.
Na medida que a informalidade e o desemprego aumentem nas grandes cidades, a pobreza vai aumentar e talvez seja preciso políticas mais locais para isso. O grande ponto do Brasil como um todo é saber como que precisa cortar o gasto, em que medida vamos garantir em termos reais a sustentabilidade do gasto público nesses programas todos.
O senhor calcula quanto esse ajuste pode custar em termos sociais?
É um discussão fundamental, mas não trabalhei nisso. Se o gasto do BNDES diminuir muito, o gasto para os municípios no interior, com os programas sociais, não precisam diminuir tanto. Esse padrão vai ser muito importante.
Tem a impressão de que o debate econômico ficou restrito à questão fiscal?
A melhor política social hoje no Brasil é o crescimento econômico. O que conseguimos nos últimos dez anos foi conectar a maior parte da população brasileira ao carro-chefe da economia brasileira, ligou ao mainstream. Integramos a economia. Isso é um ativo impressionante, toda a formalização, o assalariamento. Promovemos uma integração fantástica da economia brasileira.
Antes, se a economia brasileira ia bem ou mal, os pobres ficavam isolados disso. Agora estão se beneficiando de uma maneira mais direta. É uma coisa aparecida com abrir a economia. Quando se abre a economia, se dá um salto porque se aproveita todos os ganhos de troca.
Depois que você se conectou a uma economia global, se ela não cresce, não se vai para ligar nenhum. A nossa classe média baixa e pobres tiveram um ganho de ser conectado à economia brasileira e a dinâmica vai depender de a economia brasileira deslanchar e aí eles vão junto. O crescimento é vital, e a questão fiscal é vital para a retomada do crescimento.
A questão fiscal é vital para a proteção da pobreza. O ajuste fiscal é super importante no combate à pobreza, precisa ser feito com cuidado para não perdermos os ganhos e sem ele não vamos ter o crescimento de que precisamos para continuar reduzindo a pobreza.
A mudança no seguro-desemprego e no abono salarial traz mais produtividade?
Nesses casos, tinha-se mais uma preocupação de reduzir gasto do que diminuir rotatividade. Isso requer mudanças inteligentes na forma como toda a legislação trabalhista é feita. Pode até haver mudanças que gerem aumento de gastos imediato como, por exemplo, redirecionar o gasto com qualificação profissional para o trabalhador empregado. Atualmente, gasta-se muito para qualificar o desempregado. Se for dado a cada trabalhador o direito de fazer um treinamento de 40 horas todo o ano, isso muda. O desempregado não vai fazer um curso aleatório, mas vai fazer um curso do meu interesse como empresário.
A ideia é que cada trabalhador tenha o direito de um cupom com 40 horas de qualificação todo o ano. Posso fazer um plano de carreira para o empregado. Isso reduz a rotatividade e todo tipo de gasto com seguro-desemprego e aí você dá a esse trabalhador um abono salarial.
Existe uma possibilidade de que não estejamos tão na lanterna da produtividade?
Existe. Não olhei com cuidado as novas Contas Nacionais. Parece que houve uma redução do deflator implícito do PIB. Quer dizer que, na verdade, o produto real brasileiro cresceu mais. Se o produto cresceu mais a produtividade não cresceu tão pouco. Ainda não tive tempo de calcular, mas alguns que já fizeram disseram que a mudança é relativamente pequena. Então temos um crescimento de produtividade lento, apesar da revisão das Contas Nacionais, o que significa que continuamos com uma taxa de inflação, pelo deflator implícito do PIB, muito maior do que usamos, maior que a que o BC está preocupado. Se essa inflação é realmente muito mais alta, a produtividade brasileira cresce muito lentamente. O crescimento da produtividade lento com um crescimento da renda domiciliar per capita real alta, toda essa diferença está nos índices de preços. Acho que devíamos fazer uma discussão mais profunda sobre o porquê desses índices de inflação indicarem números tão diferentes. Como um pode ser 6% e o outro 7% todo ano. É claro que, num ano, um pode passar o outro, mas sistematicamente ter um índice de inflação um ponto percentual acima do outro, isso mostra uma mudança nos preços relativos muito grande. Se esses índices estão tentando captar a mesma coisa, isso não poderia acontecer sistematicamente. A menos que um esteja captando a inflação do pobre e o outro a inflação geral da economia. Acho que deveríamos ter o IBGE mais engajado em explicar essa diferença.
Os programas de transferência de renda estão consolidados?
Fizemos um passo importante ao consolidar os programas no início do governo Lula e temos que continuar tentando integrar os programas, como por exemplo a França fez. Criar um sistema de transferência para que a pessoa que consiga um emprego formal, não perca nada, mas ganhe na renda familiar. É preciso trabalhar nos incentivos na medida que eu recebo X de Bolsa Família, se eu virar empregado formal eu vou receber Y do abono salarial, é preciso ajustar o Y com o X da Bolsa Família, para que a pessoa não veja uma perda. Queremos integrar os sistemas de transferências de renda de modo a incentivar as pessoas a conseguir trabalho e formal. É perfeitamente possível um sistema de transferência de renda generoso que promova a redução da pobreza desde que seja inteligente. Se você conseguir emprego formal você perde o BF, mas uma das ideias do Ministério do Desenvolvimento Social é se você perder o emprego automaticamente volta a receber o BF. Isso é uma maneira de incentivar as pessoas a trabalhar no setor formal sem tirar a proteção.
A nova classe média pode viver um retrocesso social?
Sou mais otimista e digo que não sei. Se a nossa flutuação econômica for de curta duração e se o corte dos gastos públicos for cuidadoso, acho que ela pode ser muito pouco afetada e pode, com a retomada do crescimento, melhorar bastante. Tem alguns grupos que podem ser dramaticamente afetados. Um ajuste econômico desse nunca é neutro. Setores como a indústria, os serviços, mas tudo vai depender do que ocorrer no gasto público.
O baixo crescimento já não começou a bater no social?
Temos que diferenciar entre não estar melhorando e estar piorando. Se o pobre ou a classe média achar que vai melhorar nos próximos anos é delírio. A questão é se eles vão piorar, se vamos retroceder. As flutuações da Pnad ainda estão estatísticas, dentro de um intervalo de confiança. Acho que pobreza não vai cair, mas daí a renda dos pobres começar a cair é outra coisa. Há grupos de pessoas da classe média e de pobres que vão sofrer muito, dependendo do que vai ocorrer na construção civil, mas o Brasil passou pela crise de 2008/2009 e a pobreza não subiu, ali fomos cuidadosos sobre o que fazer com o gasto público. Os gastos público e a gestão dele tem um poder enorme para segurar a pobreza. Vai depender também se o salário-mínimo vai se manter em termos reais e se houver um corte do gasto público pró-pobre, pode-se segurar e não aumentar a pobreza significativamente.
E a desigualdade?
Pode até cair porque o rico pode perder muito mais. Se o BNDES reduzir as operações dele pode haver um impacto na indústria moderna e as famílias mais ricas podem sofrer mais que as mais pobres. Não é claro que as mais pobres vão sofrer mais, não foi isso que ocorreu em 2009.
Quais os desafios de longo prazo da sociedade brasileira?
Temos um desafio de longo prazo que é aumentar produtividade, se não resolver esse não vai se resolver nenhum outro. Todo ganho de políticas sociais brasileiras, todo ganho da classe média vai depender de um longo prazo sustentável. Para esse crescimento ocorrer, precisamos de avanços tecnológicos e na política educacional precisamos de uma revolução porque estamos muito devagar. Estamos lentos e mal na educação, de todas as metas do Movimento Todos pela Educação (para a educação básica) não cumprimos nenhuma a não ser a de (ampliação dos) gastos. É muito grave, sem isso não vamos conseguir não vamos conseguir ganhos de produtividade. Não há país tecnologicamente inovador sem educação. E precisamos de mais investimento em capital e para isso de mais poupança. Precisamos trabalhar para as famílias se endividarem menos e pouparem mais. O principal problema é o crescimento da produtividade que está baseado nessas três coisas: tecnologia, capital humano e capital físico. A questão da poupança é importante porque estamos em um processo de envelhecimento muito rápido, seis vezes mais rápido que a França envelheceu. Sempre que isso ocorrer, precisa-se mudar a política pública, mudar a idade de aposentadoria, as regras da Previdência e combater a desigualdade de oportunidades. Não podemos permitir que crianças de ambientes familiares diferentes tenham oportunidades de escola e de saúde tão grandes quanto temos hoje, e que homens e mulheres, crianças e negros sejam tratados de maneira tão diferentes.
A onda de pessimismo será revertida?
A questão é não tem nada no mundo, na economia, realmente ameaçando a sociedade brasileira. O problema da sociedade brasileira é a própria sociedade brasileira. Não sofremos um desastre natural, ou a perda nos termos de troca gigantescos ou guerras. Temos um país com um grande parque industrial, com nível de saúde e educação razoável, com recursos naturais gigantesco. Se soubermos organizar e sentarmos na mesa, veremos que no curto prazo existem custos, mas que podemos sair com uma taxa de crescimento fantástica. Está na hora de aprender a dialogar. Vários países foram bem-sucedidos quando várias forças sentaram na mesa e disseram que estava na hora de falar sério. A política que estamos fazendo hoje todo mundo praticamente concorda, precisa de diálogo e abnegação.
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