Durante a ditadura, lutamos pela promoção dos direitos humanos. É com espanto que hoje voltamos a ouvir vozes pedindo a volta dos militares
Durante a ditadura militar, atuamos como membros da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, ao lado de d. Paulo Evaristo Arns, na luta pela promoção e defesa dos direitos humanos.
Foram anos de terríveis violações dos direitos individuais: aqueles que se opunham ao regime militar corriam o risco de ser presos, torturados, mortos ou de desaparecer. Diversas vezes o singelo abraço ajudava a confortar pais, mães, filhos e avós que nos procuravam desesperados em busca de seus entes queridos, em geral, jovens que lutavam por justiça e liberdade.
É com espanto e preocupação que voltamos a ouvir vozes, ainda que poucas, mas não menos preocupantes, pedindo a volta do regime militar. Igualmente preocupante e espantoso é testemunhar o convívio harmonioso dessas mesmas vozes com outras que tomam as ruas, a pretexto da defesa da democracia e da luta contra a corrupção, com a conivência da grande imprensa.
Os movimentos que têm convocado essas manifestações, ainda pouco conhecidos e reconhecidos, não delineiam com clareza os verdadeiros objetivos de suas demandas. Sob o escudo da defesa de valores éticos ou da luta contra a corrupção, admite-se o vale-tudo --inclusive o retorno dos militares.
A liberdade de expressão, duramente conquistada pela sociedade brasileira, é um direito e como tal tem limites. Escusado ressaltar que transigir com valores, princípios e garantias fundamentais, além de temerário, constitui verdadeira afronta ao regime democrático.
Foi um longo e difícil caminho, mas nossa democracia política é uma realidade nos dias atuais.
O totalitarismo não é remédio para os males da nossa sociedade, como o assalto aos cofres públicos, a crueldade praticada por delinquentes, as polícias despreparadas e as milícias. Ao contrário, o totalitarismo só faz agravar esses males.
Salta aos olhos que o Brasil de hoje é muito melhor que o dos tempos da ditadura. Em 1970, 63% das crianças entre 7 a 14 anos frequentavam a escola. Em 2010, era de 98% o índice de brasileiros matriculados nessa mesma faixa etária.
Segundo o Instituto de Estudos do Trabalho e da Sociedade, os índices de desigualdade no Brasil cresceram de forma contínua a partir de 1960, com piora durante os anos da ditadura militar. A tendência de queda desses índices começa nos anos 1990. A PNAD de 2014 aponta para a continuidade na redução da desigualdade.
Vivemos hoje num mundo ideal? A resposta é, evidentemente, não. O efetivo respeito aos direitos humanos individuais e coletivos ainda não foi conquistado. O Brasil é o segundo país do mundo em crimes contra adolescentes, só atrás da Nigéria. Sete jovens de 15 a 19 anos são mortos a cada duas horas --30 mil por ano, 77% deles são negros.
Ao mesmo tempo em que festejamos e concordamos com as manifestações populares, ressaltamos que não se pode esquecer o aperfeiçoamento democrático, sempre com a necessária responsabilidade política, que impõe escolhas éticas, exige reflexão, capacidade de discernimento e julgamento.
É preciso ter consciência de que a banalização do mal é característica de cultura órfã de pensamento crítico, de juízo ético e responsável.
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