16 de janeiro de 2011

analfabetismo no Brasil

Para especialistas, Estado deve se adequar às necessidades dos analfabetos
 

Carlos Vieira/Esp. CB/D.A Press

Francisco Teles, 52 anos, morador do Núcleo Rural Tabatinga
Mãos calejadas, unhas sujas de terra e pele queimada do sol são os sinais de uma vida inteira dedicada à lida no campo. Na lavoura ou entre os animais, Francisco Teles, 52 anos, jamais enxergou mistério. O morador do Núcleo Rural Tabatinga, em Planaltina, conhece de tudo um pouco e não há dificuldade que o assombre. Somente o contato com o mundo letrado o deixa cabreiro. Impossível para ele entender os significado de uma letrinha colada a outra espaçada de tempo em tempo e o conjunto delas enchendo páginas e mais páginas de livros e revistas que ele jamais pôde ler. Cansado do carimbo de "não alfabetizado" nos documentos pessoais, há 10 anos Francisco decidiu que aprenderia a assinar o próprio nome. Em uma folha em branco, a irmã dele escreveu: Francisco Teles. E lhe ensinou a desenhar as letras. "Antes era tudo no dedão", diz referindo-se à assinatura de todos aqueles que não aprenderam a ler nem escrever: a impressão digital.
Mas isso faz tempo e Francisco reclama da memória. Esquece uma letra aqui, deixa outra ali sem terminar. "Tenho que treinar mais", reconhece. O analfabetismo não foi uma escolha para ele. Na juventude, por insistência da mãe, Francisco frequentou aulas do Mobral. Mas era traído pelo cansaço de um dia inteiro de trabalho braçal iniciado antes mesmo do raiar do sol. "A escola era longe de casa, não tinha condução, nada. Eu dormia em cima dos livros de tanto cansaço", lembra.
De todas as dificuldades impostas pela falta de instrução, o lavrador enumera duas, talvez as que mais machucaram. Diz ter sido passado para trás por gente estudada e se ressente de não poder tirar carteira de motorista. "A gente que mora na roça precisa de condução", justifica.
Dos 128 mil analfabetos do Distrito Federal, 12 mil vivem na zona rural, como Francisco. Eles representam 8,6% dos moradores do campo, estimados pelo IBGE em 139 mil. Na área urbana, o percentual de gente que não lê nem escreve é menor: 5,5% de um total de 2.249 mil habitantes.
No auge da sabedoria que não se aprende nos livros, Francisco percebeu que a cidade oferece mais oportunidade. Apartou-se da única filha, uma menina de 14 anos, para que ela pudesse estudar. "Ela mora com a avó em Planaltina. Lá, ela vai ter mais oportunidade", diz. E como conselho nunca é demais, ele insiste com a filha. "Eu digo a ela para estudar. Para ela estudar muito porque a gente tá ficando velho e vida de quem não estuda é difícil demais." Saiba mais... Ao menos 128 mil moradores do DF são considerados analfabetos Quem não sabe ler e escrever cria mecanismos de decodificação do mundo letrado. Lucas*,17 anos, decorou o número dos ônibus que o levam à Estrutural nos dias de visita à mãe. Na Casa de Passagem, abrigo para adolescentes e crianças moradoras de rua, instalado no Plano Piloto, aprendeu - de ouvir - as regras de conduta escritas em um mural. Às vezes se pega sentando em frente ao painel, sem entender o que significa aquele monte de letras. Mas essas não são as únicas barreiras impostas ao rapaz pelo analfabetismo. "Quando peço emprego, sempre ouço a mesma resposta: você precisa de estudo para arranjar trabalho. Quero sair dessa vida da rua", comenta, com os olhos molhados de lágrimas.
Programa militar
Criado pelo governo militar em 1970 para erradicar o analfabetismo do Brasil em 10 anos, o Mobral propunha a alfabetização funcional de jovens e adultos, visando "conduzir a pessoa humana a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integrá-la a sua comunidade, permitindo melhores condições de vida". Acabou extinto em 1985 e substituído pelo Projeto Educar.
Estudo contínuo
Professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) e consultor da Unesco para a Educação, Célio da Cunha explica que só se conseguirá vencer a luta contra o analfabetismo com a estruturação de bons cursos de alfabetização, capacitação dos professores e continuidade dos estudos por, no mínimo, quatro anos. "O que vem acontecendo no Brasil, de modo geral, é que se alfabetiza uma pessoa que nunca teve contato com as letras. Em sete, nove meses, ela aprende a escrever e para. Depois de um tempo, ocorre uma regressão e se perde o que foi feito", observa.
Na opinião de Cunha, o estado precisa se adaptar às necessidades dessa clientela e não o contrário. "Os programas precisam ser adaptados às condições sociais, econômicas e psicológicas dos analfabetos. Envolver todos os órgãos de governo é outro fator importante. Para Cunha, alguns não aprendem por problemas de saúde, por exemplo. Por isso a necessidade de assegurar aos analfabetos as condições mínimas com políticas públicas em todas as áreas e vincular a alfabetização com formação profissional.
Mudança de modelo
Ex-ministro da Educação e coordenador do mestrado de direito da Universidade de Caxias do Sul (RS), Carlos Alberto Chiarelli defende o aumento dos investimentos em educação. Segundo ele, no Brasil são aplicados cerca de US$ 980 por estudante e o ideal é que esse valor chegue a US$ 1.050, a exemplo do Uruguai, Peru e Paraguai. "Assim, teríamos a chance de aumentar a renda per capita em 10% em 10 anos e a média de escolaridade subiria dois anos e meio nesse período", afirma. "Temos que sair do modelo tradicional. A educação à distância levaria o conhecimento até a casa do cidadão", completa.
Colaborou Antonio Temóteo, especial para o Correio

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