2 de agosto de 2011

Em busca de profissionais com uma boa qualificação


02 de agosto de 2011
Educação no Brasil | Valor Econômico | Opinião | BR

Brasil é tido como alternativa para os trabalhadores expulsos pela crise na Europa.

Miguel Jorge
Carlos Cecconello/FolhapressNo início de julho, o jornal espanhol La Vanguardia publicou extensa reportagem sobre o novo papel que o Brasil representa para milhões de imigrantes. Para o jornal, o país começa a se parecer com uma enorme agência de empregos legais e ilegais, despontando como clara alternativa para os trabalhadores expulsos pela crise na Espanha e em outros países europeus.
Em que pese certo exagero do La Vanguardia, especialmente ao falar da exploração dos trabalhadores latino-americanos de baixa qualificação, os números ofiMiguel Jorgeciais confirmam a reportagem Segundo o Ministério do Trabalho, em 2010, 56.006 profissionais estrangeiros foram autorizados a trabalhar no país, um aumento de 30% em relação a 2009. Neste primeiro semestre, foram 26.500 vistos, ou 19,4% mais do que nos seis primeiros meses de 2010. Por que o Brasil como destino alternativo à Espanha, por exemplo?
Para o La Vanguardia, basta confrontar alguns dados econômicos dos dois países: crescimento de 7,5%, em 2010, no Brasil, e retração de 0,1% na Espanha; taxa de desemprego invejável de 6,7% no Brasil e de 20,9% na Espanha. Some-se a isso o contraste no setor de construção: boom no Brasil, crash na Espanha, e isso se considerando que estamos apenas na decolagem das grandes obras do Mundial de 2014 e da Olimpíada de 2016.
O ministro Carlos Lupi, do Trabalho, comemora - o Brasil está se transformando na Meca do trabalho para os estrangeiros, declarou, há dias. Mas a realidade é que o forte crescimento econômico desnudou um de nossos grandes problemas: a escassez de mão de obra qualificada para os postos de trabalho de que precisamos urgentemente.
No ano passado, 56.006 estrangeiros foram autorizados a trabalhar no país, 30% a mais do que em 2009
Ao mesmo tempo em que vivemos a era do pleno emprego, enfrentamos, em algumas áreas, o apagão profissional. E o mesmo crescimento econômico que nos conduziu ao pleno emprego escancarou as conhecidas mazelas de nosso sistema educacional, entre as quais a baixa escolaridade e a formação técnica deficiente.
O recado é claro: não há como adiar investimentos em Educação, sob pena de se sufocar os planos brasileiros de crescer mais de 5% ao ano.
Para reforçar a urgência do investimento em formação de mão de obra, basta olhar a qualificação dos estrangeiros que obtiveram visto para trabalhar no país. Estatísticas do Ministério do Trabalho mostram que, dos 26.545 estrangeiros que entraram no Brasil no primeiro semestre, 23.483, ou 88,5%, têm pelo menos o segundo grau completo, e 15.044, ou 56,7% do total, têm curso superior completo. Mais: 997 têm pós-graduação ou título de mestre ou de doutor.
Segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), de abril deste ano, 69% das empresas enfrentam dificuldades por falta de mão de obra qualificada. Das companhias consultadas, 52% afirmam que o maior desafio é a baixa qualidade da educação básica e 78% das empresas procuram resolver essa questão qualificando trabalhadores por seus próprios meios, até mesmo no local de trabalho.
O desafio dos setores que demandam mão de obra qualificada é agravado, também, por distorções do próprio sistema educacional. As áreas preferidas de formação de nossos estudantes no ensino superior são ciências sociais, negócios, direito e serviços (37,1%) e humanidades, artes e educação (29,3%), segundo levantamento do especialista Ernesto Faria, divulgado em abril, a partir de relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Entre 36 países, o Brasil tem o menor percentual de formandos em engenharia, indústria e construção - 4,6% do total - nos países da OCDE a média é de 12%. O Chile, segundo país latino-americano incluído na pesquisa, tem 13,7% de titulados nessas áreas.
Nas últimas décadas, profissões como a de engenheiro foram pouco estimuladas entre nós, enquanto a Advocacia, por exemplo, prosperou como nunca. Considerada uma profissão árdua e difícil, a Engenharia afugentou candidatos, também, em função do mau preparo dos alunos do ensino médio nas disciplinas de matemática, física e química.
Com mais de 190 milhões de habitantes, o Brasil forma cerca de 30 mil engenheiros por ano. A Coreia do Sul, com 48,3 milhões, forma 80 mil, a Rússia, 190 mil, a Índia, 250 mil, e a China, 400 mil.
Por isso, não se estranhe a estimativa da Confederação Nacional da Indústria de que, até 2012, faltarão cerca de 150 mil engenheiros para preencher as vagas que estão surgindo.
Em 2008, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número de graduados em engenharia no Brasil era de cerca de 750 mil.
Mas o Brasil tem mais faculdades de Direito do que todos os países do mundo, juntos!!! Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), temos 1.240 faculdades, enquanto no resto do mundo, incluindo China, EUA, Europa e África, há 1.100 cursos. Sem o exame obrigatório da OAB para entrar no mercado, o número de advogados no país - hoje em torno dos 800 mil profissionais - seria enorme, pois mais de três milhões de bacharéis não estão inscritos na Ordem.
Desde que o exame da OAB tornou-se nacional, em 2010, nunca houve tantos reprovados como em dezembro passado. O índice de reprovação entre os 106.891 inscritos bateu o recorde de 90,26%, o que significa que nove em cada dez candidatos não passaram na prova. Na prova de dezembro, 90 instituições de ensino superior não conseguiram aprovar nem um único aluno (!!!).
Por tudo isso, os avanços de nossa economia, nos últimos anos, com taxas muito baixas de desemprego, nos colocam diante do desafio de investir, e investir seriamente, na qualificação de mão de obra. Caso contrário, estará em risco a própria continuidade do crescimento no Brasil.
Miguel Jorge é jornalista, foi ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior no governo Lula (2007-2010)

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