20 de agosto de 2011

Entrevista Ada Yonaht: Premio Nobel de química


20 de agosto de 2011
Educação e Ciências | Correio Braziliense | Ciência | BR


A senhora tinha tudo para não ser cientista: teve uma infância pobre e não possuía nenhuma ligação familiar com a ciência. Por que, mesmo assim, decidiu ser pesquisadora?
Porque eu era curiosa, simplesmente isso. Eu nunca escolhi, de fato, seguir a ciência, eu apenas queria saber mais e mais, e toda a minha carreira acabou se tornando uma consequência disso. Em relação à minha família, essa também foi uma forma que eu encontrei de não precisar me afastar deles. Pesquisando e estudando, não precisei sair de casa e pude ficar mais tempo com minha mãe e minha irmã mais nova, que precisavam de mim. Para quem tem muito pouco, poder pesquisar era um verdadeiro luxo.

E por que justamente a química?
Para mim, é a ciência que responde melhor às perguntas relacionadas à vida. Mesmo a biologia depende da química. Eu sempre quis entender os processos de funcionamento da célula, o que é algo biológico, mas essas respostas estão exatamente nas reações químicas. Por isso, fui por esse caminho. No início da minha carreira, também me inspirei bastante na carreira da polonesa Marie Curie, uma das primeiras cientistas do mundo, que era justamente química. Este ano foi denominado Ano Internacional da Química por ser o centenário do primeiro dos prêmios Nobel conquistados por ela.
O Nobel dado à senhora foi o primeiro concedido a uma mulher em 45 anos. Em algum momento a senhora sofreu algum preconceito por ser mulher?
Esse não foi um prêmio para uma mulher, foi para um pesquisador, e ser uma mulher foi uma grande coincidência. Ser mulher nunca foi um problema para mim durante a pesquisa. Certamente encontrei preconceitos em outras áreas da minha vida, mas a comunidade científica sempre me respeitou e nunca me tratou diferente pelo fato de eu ser mulher. As pessoas sempre me fazem perguntas em relação à isso e, por sorte, posso dizer que essa nunca foi uma questão que me atrapalhou.

Pessoalmente, como foi a experiência de receber a ligação da Academia Real de Ciências da Suécia dizendo que a senhora era a vencedora do Nobel de Química de 2009?
Foi muito bom, fiquei extremamente feliz, mas admito que a euforia maior foi quando descobri a estrutura do ribossomo, nove anos antes. Eu me dediquei anos àquilo e, por isso, fiquei extremamente feliz quando obtive resultados. Quando estava fazendo meus experimentos, as pessoas diziam que aquela era uma pesquisa digna de um prêmio, mas como é algo extremamente difícil, preferi nunca criar expectativas em relação a isso. Claro que ganhar um Nobel é incrível, é maravilhoso, mas, para mim, o principal sempre foi a ciência.
Sua pesquisa conseguiu desvendar a estrutura dos ribossomos, uma organela celular que, embora fosse bastante útil à ciência, não era estruturalmente compreendida. Por que a senhora decidiu se dedicar a esse tema?
Sempre houve muitos estudos falando dos ribossomos, mas nunca houve informações suficientes sobre como eles se desenvolviam, sobre a estrutura deles, e essa é uma questão que sempre me intrigou muito. Os ribossomos leem o código genético, tornando a vida da célula possível. Parando com esse processo, consegue-se matar células, e esse é o mecanismo de ação de vários antibióticos. Eles impedem o funcionamento dos ribossomos das bactérias, matando-as. Para descobrir exatamente como eles funcionam, precisamos entender a estrutura deles.
Recentemente, surtos de bactérias super-resistentes causaram muitas mortes na Europa, nos EUA e mesmo no Brasil. Suas pesquisas relacionadas às estruturas dos ribossomos poderiam ajudar a eliminar essas bactérias?
Na verdade, essas superbactérias são variantes mais resistentes a antibióticos de algumas que já existem há muito tempo, então talvez não seja possível chegarmos a uma solução ideal, eliminando-as completamente. Sem dúvida, contudo, entendendo o mecanismo ribossomático, que é a minha área de estudo, poderíamos desenvolver estratégias mais específicas e eficientes de controle desses micro-organismos, já que, infelizmente, eles não podem ser exterminados.

Em sua opinião, essas novas superbactérias e o Nobel conquistado pela senhora de alguma forma fizeram a comunidade científica dedicar mais atenção, recursos e esforços ao estudo dos ribossomos?
Com certeza, principalmente em relação aos pesquisadores iniciantes. No polo de ciência que eu trabalho, em Israel, o número de pesquisadores dobrou depois do prêmio. Voltando ao que você perguntou em relação ao Nobel para uma mulher, esse foi um impacto interessante: muitas mulheres passaram a estudar a mesma área que eu depois da premiação. Isso é a melhor coisa de receber um prêmio como esse: estimular pesquisas na área, não apenas em Israel, mas em outras regiões do mundo, como na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde estive este ano.

Falando em ciência nacional, qual é a impressão que a senhora tem do que é produzido no Brasil?
Bom, ainda conheço muito pouco o que é produzido de maneira geral no Brasil, então eu não saberia avaliar de maneira global a ciência brasileira. O que eu conheço muito bem são pesquisadores individuais. Pessoalmente, creio que esse é um país que abriga mentes muito capazes. Existem grandes pesquisadores aqui.

Quais são os principais desafios a que a química ainda precisa responder nos próximos anos?
Ainda temos muito a entender. Em ciência, a cada pergunta que é respondida, 10 novas surgem. São muitas questões, mas, apontando algumas que eu pessoalmente acho mais importantes, eu diria que seria desenvolver novos antibióticos, mais resistentes, e entender exatamente como a vida começa, a origem da vida.

Certa vez, a senhora afirmou que "a ciência é mais fácil do que a vida". Por quê?
Bem, há um contexto aí. Não é qualquer vida, mas uma vida difícil, como a que eu tive. Meu pai morreu muito cedo, eu tinha uma irmã mais nova, éramos pobres e minha mãe doente. Na ciência, é possível mudar de estratégia, repetir os experimentos, pensar muito antes de agir, mas, quando se está com fome, se está com fome.
Que mensagem a senhora deixaria para cientistas que trabalham e tentam pesquisar em países não tão ricos, em condições distantes das ideais?
Dê o seu melhor, e dê o seu melhor novamente. Não espere que alguém faça as coisas por você. É basicamente isso. Persistir e dedicar o melhor de si é uma estratégia que, na maioria das vezes, dá certo.

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