21 de agosto de 2011
Educação no Brasil | Revista Época | Brasil | BR
Por que o Brasil não consegue alfabetizá-la?
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A erradicação do analfabetismo é o maior fiasco educacional do governo federal. Os adultos que não sabem ler e escrever ainda somam 14 milhões
Angela Pinho
Jaci Maria dos Santos tem 63 anos, mas a primeira vez em que pisou em uma sala de aula foi no ano passado. Baiana de Vitória da Conquista, começou a ajudar a família na roça aos 5 anos. Seu pai não a deixava estudar. Rasgava os cadernos e quebrava os lápis que a mãe comprava. "Ele dizia que a gente tinha era que trabalhar, não ficar mandando carta para namorado", afirma. Já adulta, Jaci foi morar em São Paulo e começou a trabalhar como empregada doméstica. Fazia trajetos longos a pé porque não conseguia decifrar o letreiro dos ônibus e tinha vergonha de pedir ajuda. No ano passado, tomou coragem e se matriculou em uma turma de alfabetização em Embu, na região metropolitana de São Paulo. Ela fez o curso até o fim, mas não se sentiu satisfeita com o aprendizado. Continuava com dificuldades para ler e escrever. Em março, resolveu reiniciar o mesmo curso.
Jaci é uma entre 14 milhões de pessoas que declararam não saber ler nem escrever ao Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE. Na contramão da melhoria recente de diversos indicadores sociais, o número ilustra um dos maiores fracassos da política educacional do país. Na última década, o Brasil obteve diversos avanços na educação. Conseguiu praticamente universalizar as matrículas entre as crianças e, ainda que devagar, começou a melhorar a qualidade do ensino. O índice de alfabetização na faixa da população com 15 anos ou mais, porém, pouco avançou desde 2003, quando o governo lançou o programa Brasil Alfabetizado, que prometia erradicar o analfabetismo em quatro anos.
Em 2003, a taxa de analfabetismo era de 11,6%. Em 2010, ainda era de 9,6%, como revelou o Censo recém-divulgado. Desde o lançamento do Brasil Alfabetizado, 10 milhões de alunos foram matriculados em cursos de alfabetização, segundo o governo. Boa parte, porém, continua analfabeta. Hoje, o país só tem 2 milhões de analfabetos a menos que em 2003. Em quatro Estados (Alagoas, Piauí, Paraíba e Maranhão), mais de um quinto da população é analfabeta. A explicação para esses números aparentemente tão contraditórios é desoladora: os programas oficiais de alfabetização de adultos são simplesmente incapazes de alfabetizar a boa parte dos matriculados.
Dez milhões de alunos se matricularam nos cursos do governo, mas a taxa de alfabetização é baixa
Em 2008, o governo passou a exigir de Estados e municípios o preenchimento de um relatório com a informação de quantos alunos efetivamente concluem os cursos e aprendem a ler e escrever, mas esses dados nunca foram divulgados. Isso porque, de acordo com o Ministério da Educação (MEC), o processamento dos resultados, que permitiria um retrato nacional, só deverá ser concluído em setembro. Informações consolidadas por uma amostra de cidades, no entanto, já servem para apontar o fracasso dos programas de alfabetização. Em Natal, Rio Grande do Norte, só 951 alunos dos 2.500 matriculados no último ciclo, de 2009, terminaram o curso alfabetizados. Equivale a 38%. Em Palmas, Tocantins, o índice de eficiência ficou em 29%. Em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 15%. São três capitais que, em tese, têm uma estrutura melhor de gestão que municípios pobres do interior e onde seria razoável esperar um desempenho comparativamente melhor.
Entre as justificativas das secretarias municipais de Educação para os baixos índices de sucesso estão a alta taxa de abandono dos cursos pelos alunos, dificuldades para acompanhar as aulas e problemas de visão. Não se pode, porém, responsabilizar apenas os alunos. Em 2007, uma auditoria do próprio ministério mostrou a existência de turmas fantasmas, o que resultou em um redesenho do Brasil Alfabetizado. O MEC passou a fazer convênios só com prefeituras e governos estaduais, não mais com ONGs. Além disso, especialistas em educação também apontam problemas estruturais no programa. Um deles é a formação dos alfabetizadores. Segundo o MEC, cerca de 40% dos professores são desempregados ou trabalhadores rurais, provavelmente atraídos pela bolsa mensal de R$ 250 a R$ 500 paga pelo governo, cujo valor é fixado conforme o número de turmas.
Embora muitas vezes tenham boas intenções, esses professores não têm nenhuma experiência de ensino. "Alfabetizar é uma tarefa extremamente complexa. Não basta força de vontade. Mas a tendência tem sido improvisar", diz Timothy Ireland, especialista em educação da Unesco (braço da ONU para a educação e cultura) e diretor de Educação de Jovens e Adultos do MEC entre 2004 e 2007.
A continuidade dos estudos é fundamental, mas o número de adultos na escola está diminuindo
Outra crítica ao Brasil Alfabetizado se refere à duração do curso, que varia de seis a oito meses. Segundo David Archer, diretor de educação da ActionAid, organização que promove cursos de alfabetização em diversos países, um programa do gênero deve durar pelo menos dois anos. "A evidência global é muito eloquente no sentido de que cursos que duram de seis a nove meses são insuficientes", diz.
Além disso, é necessário que o aluno continue a estudar depois de aprender a ler e escrever, única forma de não esquecer o que aprendeu. O IBGE só considera plenamente alfabetizado o adulto com pelo menos quatro anos de escola concluídos. Quem não atinge esse nível de escolaridade é considerado um analfabeto funcional - condição de cerca de um em cada cinco brasileiros adultos. O número de jovens e adultos que fazem cursos supletivos para completar os primeiros anos do ensino fundamental, no entanto, está caindo. Segundo o Censo da Educação, caiu de 1,2 milhão, em 2007, para 923 mil, em 2010. Até agora ninguém sabe explicar ao certo por que isso está ocorrendo.
Para contornar o problema, o MEC estuda dar algum tipo de incentivo financeiro para as prefeituras matricularem mais adultos em suas escolas. O ministério reconhece como "insuficiente" o avanço no combate ao analfabetismo. A nova meta para erradicar o analfabetismo no Brasil ficou para 2020, segundo o Plano Nacional de Educação que o governo mandou para o Congresso. Outros países da América do Sul, como Argentina, Chile e Uruguai, têm taxas de analfabetismo bem melhores. Nos três, o índice nacional está abaixo de 3%.
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