27 de dezembro de 2011 Valor Econômico | Opinião | BR Reconforta ver o exemplo de um pequeno no país comprometido com a educação Helio G. Barros As ilhas de Cabo Verde formam um dos menores países da África. A partir da independência, em 1975, esse país de 4 mil km2 começou a construir as condições de estabilidade político-administrativa e econômica que o elevaram, em 2007, à categoria de país em desenvolvimento. O Banco Mundial e outros organismos confirmam anualmente suas análises favoráveis, dando-lhe sempre o status de país confiável e sério. Se a reputação conquistada nos organismos internacionais derivou, na política, da boa governança e alternância democrática sem corrupção, a nova atitude que valoriza a educação merece igual respeito pela consideração dada ao ensino básico. As novidades nos dois campos são exemplares, mas a educação nos interessa particularmente porque conta com o apoio da cooperação técnica brasileira. Criou-se a consciência de que ciência e ensino superior não podem evoluir à custa do ensino básico A novidade política, que deve inspirar países que convivem com elevados índices de corrupção no setor público, foi a recente concessão do prêmio Mo Ibrahim ao ex-presidente da República, Pedro Pires, entregue na Tunísia no dia 12 de novembro passado. O prêmio Mo Ibrahm é uma espécie de Nobel do político honesto, iniciativa africana criada para promover o debate sobre boa governança na África e reconhecer líderes africanos que, ao terminar seus mandatos eletivos, deixam o legado da honradez e da atitude democrática. Nos dois aspectos, Pedro Pires é exemplo magnífico de probidade e respeito às regras democráticas. Este registro é também o depoimento de quem conviveu com esse homem de hábitos simples e discretos. A novidade educacional não é menos instigante, porque mexe com as nossas próprias necessidades educacionais, pelo tamanho do déficit brasileiro no ensino básico. A solidez da orientação caboverdiana revelou-se em dois momentos, em 2008, quando negociei com o Ministério da Educação a adoção de um programa de ensino de português e matemática e em 2010, colaborando com o I Encontro de Investigação e Desenvolvimento (Enid) destinado a avaliar o futuro da C&T no país. Convidado para liderar o evento, que contou com quase duzentos participantes locais e da diáspora - professores em universidades americanas e europeias - o então presidente da República Pedro Pires apoiou a iniciativa, mas deu o recado. Exortou-os a dar atenção ao ensino básico: ...provavelmente errado é o modo como lidamos com a Educação, Ciência, e Tecnologia.... Falamos de qualidade e excelência na educação sem, contudo, dizer como se conseguem nem como se avaliam os ganhos, quando, na verdade, parte significativa dos alunos transita do ensino secundário para o ensino universitário sem dominar plenamente a língua portuguesa ou as noções fundamentais da matemática, duas disciplinas indispensáveis ao desenvolvimento do pensamento abstrato, característico da vida e da ação criadora em sociedade. No Enid prevaleceu a consciência de que ciência e ensino superior não podem evoluir à custa do ensino básico e que, sem alunos bem formados, o ensino superior pode ser problema mais que solução. As recomendações finais enfatizaram a importância do ensino de português e matemática, confirmando decisão anterior do ministério da Educação-ME que aceitou, em 2008, oferta do Brasil para capacitar professores de matemática e português do ensino médio e fundamental. A meta, nada modesta, de treinar 100% do professorado do ensino médio formado em matemática, em quatro anos, foi atingida e em 2012 a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) financiará a fase 2 do curso que será a porta de entrada para o mestrado presencial e a distância. MEC/Capes, MRE/DEAF e MCT/CNPq uniram-se para financiar o Programa Linguagem das Letras e dos Números, executado por instituições do Ceará, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo. Em julho e agosto, grupos de 160 professores virão ao Brasil para curso de 30 dias, com oito horas diárias, muito conteúdo e extensa programação cultural. Fomos ao país do carnaval e encontramos o país do trabalho, relatou o líder do primeiro grupo à ministra da Educação, ao regressar do Brasil em 2008. Resultado imediato, a proposta de aumentar uma hora de aula de matemática por semana no currículo oficial do país. A cooperação brasileira apoiou ações complementares em olimpíada, ensino a distância, portais de ensino e avaliação. A olimpíada talvez seja o melhor exemplo que define essa cooperação, porque realça a atitude caboverdiana de valorizar a educação e assumir seu próprio destino. A Olimpíada de Matemática da Escola Pública de Cabo Verde foi construída por professores que vieram ao Brasil em 2008 e docentes da universidade pública. Com recursos próprios do ministério da Educação, a olimpíada contou com 5 mil crianças em 2010. Parecia muito, mas neste ano de 2011 foram 15 mil crianças do 8º ao 12º ano. Quase 30% do total das matrículas no ensino secundário (54.406 alunos). Nada que se compare às estatísticas brasileiras, mas impressionante em país de 500 mil habitantes. A área de português tem a mesma expectativa de mestrado a distância e olimpíada nos moldes do projeto brasileiro conduzido pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária - Cenpec, com apoio do MEC/Capes. Diante de décadas de notícias ruins, reconforta ver o exemplo de coerência de uma nova África afinada com as questões do conhecimento e de um pequeno país sério e comprometido com a matematização do ensino e transformação do português, que deixará de ser apenas a língua falada oficialmente para ser instrumento de trabalho das novas gerações. Helio G. Barros foi secretário de Educação Superior do MEC, ex-Secretário de C&T do Estado do Ceará e coordena projetos de Cooperação na África, com apoio CNPq/TWAS. |
27 de dezembro de 2011
A África que surpreende
Postado por
jorge werthein
às
10:09
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário