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Pais e escolas precisam unir esforços para romper com os paradigmas do mundo analógico
Nos últimos anos, para além dos casos de agressão, discriminação e intimidação cometidos por um ou mais alunos contra colegas dentro do espaço escolar, as escolas tiveram que enfrentar um novo problema: o cyberbullying.

Caracterizado pela violência intencional e repetida que se manifesta no ambiente virtual, o cyberbullying apresenta o agravante de proporcionar um pseudo anonimato ao agressor e de potencializar a propagação da agressão por conta do alcance que o mundo online possibilita.
Em entrevista ao Carta Educação, a autora de Educação para a Cidadania Digit@l (Ed. FTD Educação e OPEE), Alessandra Borelli, falou sobre como orientar crianças e jovens para o uso consciente da internet e prevenir que eles se tornem agentes ou vítimas desse comportamento. “Se por um lado as novas gerações já nasceram imersas e são habilidosas com a tecnologia, não podemos ignorar o fato de que, enquanto crianças e adolescentes, são desprovidos de maturidade e discernimento acerca dos riscos a que estão sujeitos”, explica.
Carta Educação: O que caracteriza o cyberbullying e como educar os jovens para não serem vítimas ou agentes dessa prática?
Alessandra Borelli: O cyberbullying pode ser compreendido como o bullying praticado em ambiente virtual. Ele não tem fronteiras ou limites. E, muitas vezes, pelo fato do agressor valer-se de um pseudo anonimato não se sabe de início quem ele é e tampouco a razão de sua atitude. Muitos estudos comprovam que, diferentemente do que pensam alguns, não somente a vítima precisa de ajuda, mas também o agressor. Em se tratando de crianças e adolescentes, se de um lado a vítima precisa ser ouvida, acolhida e providências precisam ser adotadas para cessar as ofensas, do outro o agressor também precisa conhecer os desdobramentos que sua atitude pode ganhar e dispor da mesma oportunidade para expressar suas motivações. Famílias e escolas precisam compreender que o trabalho de prevenção é contínuo. Precisam estar sempre atentos aos sinais, nunca subestimar o sofrimento da vítima, ignorar o perfil valentão do agressor e criar um canal de comunicação acessível.
CE: O que é educação digital? Ela é responsabilidade de quem?
AB: Se por um lado as novas gerações já nasceram imersas e são habilidosas com a tecnologia, não podemos ignorar o fato de que, enquanto crianças e adolescentes, são desprovidos de maturidade e discernimento acerca dos riscos a que estão sujeitos. Não por acaso, a Declaração Universal dos Direitos da Criança, a Constituição Federal Brasileira e o Estatuto da Criança e Adolescente os colocam como prioridade absoluta, merecendo atenção especial dada a característica de serem um ser em desenvolvimento. Sozinhos, eles não conseguem perceber a hora de parar o videogame, não conseguem perceber os riscos da demasiada exposição na internet, os limites de sua liberdade de expressão e muito menos refletir sobre o fato que conteúdo digital não tem devolução. Educação digital é aprender para ensinar quando e como usar e não usar a tecnologia, é aprender para ensinar nossos jovens a tirar o melhor e mais seguro proveito desta fantástica evolução. Todos somos responsáveis, tal como prevê o artigo 205 da CF e reitera o próprio Marco Civil da Internet (Lei 12965).
CE: No entanto, um dos principais entraves para a educação digital dos jovens é que pais e professores, por uma razão geracional, muitas vezes, não estão familiarizados com as novas tecnologias e seus dispositivos. Como driblar essa questão?
AB: Manter-se informado, atualizado sobre tudo que as novas tecnologias têm a oferecer a seus filhos e alunos e não se sentir limitado em seu papel pela falta ou pouca habilidade com a tecnologia é o primeiro e mais importante passo a ser dado pela família e escola. Reitero que os avanços serão contínuos e, portanto, participar da vida digital dos filhos e alunos não é opção e sim dever, não somente moral mas, sobretudo, legal. Reconhecer que os valores continuam os mesmos e que, igualmente, devem ser praticados no ambiente on e off-line também precisa constituir o norte do processo de educação. Pais e escolas precisam unir esforços para romper com os paradigmas do mundo analógico, precisam buscar, quando entenderem necessário, a ajuda de especialistas no assunto, para que juntos possam exercer com segurança e excelência seus papéis na vida digital de seus filhos e alunos.
CE: Como a escola e os pais podem orientar os jovens no sentido de evitar a hiperexposição na rede?
AB: A começar dizendo que quando compartilhamos algo digitalmente perdemos o total controle sobre este “algo”. Depois, alertando sobre os riscos a que ficam sujeitos quando pessoas mal intencionadas ganham acesso a sua rotina, suas imagens e informações sensíveis a seu respeito.
CE: A cidadania digital se difere da cidadania praticada no mundo real?
AB: Não, pelo contrário. Minha rotina profissional me faz acompanhar o comportamento digital de forma globalizada e fico impressionada como algumas pessoas ficam valentes por detrás das telas, dizem coisas que não diriam olhando nos olhos e agem como se no universo digital não houvesse pessoas com sentimentos ou leis que norteiam as relações estabelecidas naquele ambiente. Cidadania implica no exercício de direitos, necessariamente, atrelado ao exercício de deveres, ou seja, não há como se falar em direitos sem falar de deveres se o que se objetiva é viver bem em sociedade. Portanto, assim como são fundamentais nas relações estabelecidas no “mundo off-line”, a ética e o respeito devem, igualmente, prevalecer no universo digital. É preciso lembrar ou jamais esquecer que o mundo virtual é real.
CE: Você diz em seu livro “se você não faria um comentário na vida real, então não faça na rede”. Por que os ambientes virtuais costumam apresentar tantas ofensas?
AB: São várias questões que fogem da minha especialidade e penso que remetem a própria psicologia, tais como o desejo de ser notado, doa a quem doer e custe o que custar, o desejo de se sentir inserido e parte de um grupo, entre tantas outras. O que percebo durante minha trajetória é a nítida falta de informação quanto às consequências legais do exercício desmedido da liberdade de expressão e por consequência a total despreocupação com a violação do direito alheio. O ser humano tende a ser impulsivo e o dilúvio informacional que vivemos, aliado ao “estar conectado e disponível full time”, têm potencializado demais esta característica, nos tornando ainda mais ansiosos e imediatistas, o que acaba afastando o dever de reflexão prévia e propiciando manifestações, por vezes, extremamente destrutivas.