16 de novembro de 2016

As meias-verdades do Enem por escola


03/10/2016

'A dura realidade é que os projetos pedagógicos das escolas bem classificadas no Enem são excludentes socialmente, comuns em um Brasil que aceita, sem crítica, dar tudo para poucos e nada para muitos'

Soares: olhar para novos indicadores
Nilson Bastian/Câmara dos Deputados

O ranking do Enem simplesmente consagra as escolas que fazem seleção de seus alunos. Entre as melhores classificadas, um primeiro fato a considerar é que as privadas selecionam primeiro seus alunos pela renda e também pelo desempenho em provas. Esta seleção é frequentemente feita ao longo dos anos, convidando-se os estudantes mais fracos a saírem. As escolas públicas que estão nas melhores colocações são também aquelas que admitem seus alunos através de difíceis vestibulares.

Depois da divulgação, as escolas privadas pertencentes a redes de ensino comprarão páginas de jornais para convencer as famílias de que qualquer escola da rede é igualmente boa. Por outro lado, os gestores públicos das escolas bem classificadas darão declarações dizendo que o ensino público pode ser de excelência, não enfatizando nem a seleção nem o custo de suas escolas.  

Em ambos os casos, a sociedade recebe meias-verdades. A dura realidade é que os projetos pedagógicos das escolas bem classificadas no Enem são projetos excludentes socialmente, comuns em um Brasil que aceita, sem crítica, dar tudo para poucos e nada para muitos.

Expor a fragilidade do argumento de que a boa escola é aquela mais bem posicionada no ranking do Enem não deve obscurecer o fato de que, entre as escolas líderes, há projetos de muito boa qualidade pedagógica, que precisam ser conhecidos e que podem inspirar as mudanças que o sistema de educação básica brasileira precisa. Se parte da viabilidade destes projetos vem das boas condições de funcionamento e dos alunos selecionados, por outro lado são experiências feitas com estudantes e professores brasileiros, e, portanto, úteis para indicar formas de organização do ensino médio que podem ser usadas em escolas públicas abertas a todos os estudantes.

A divulgação do ranking do Enem, mesmo com suas limitações, permite discussões importantes pedagogicamente. Se a escola privada escolhida pela família for grande e mantiver seus alunos ao longo de sua trajetória escolar, não ficará nas primeiras posições do ranking. No entanto, manter os filhos nestas escolas é uma opção racional. Por um lado, garante-se um ambiente de formação humana mais diversificada, que o maior número de alunos permite, e, por outro lado, permite a convivência dos filhos com estudantes de alto desempenho, que serão uma fonte de desafio. Para identificar estas escolas o Inep criou dois indicadores. O primeiro mostra o percentual de alunos matriculados há vários anos na escola, e o segundo é a média de desempenho dos 30 melhores alunos de cada escola.

Há escolas públicas e privadas que não selecionam seus alunos e cujo alunado é de baixo nível socioeconômico. Também há escolas privadas que acolhem número substancial de bolsistas. As escolas com este perfil, cujos alunos têm bom desempenho, precisam ter seus projetos reconhecidos e – outro efeito da divulgação do ranking – contextualizados com indicadores escolares e sociais.


Francisco Soares é presidente da Câmara de Educação Básica do CNE (Conselho Nacional de Educação) 

*O autor e a Jeduca autorizam que este artigo seja reproduzido na íntegra em qualquer veículo de comunicação, desde que citada a fonte: Artigo originalmente publicado no site da Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação)

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