15 de novembro de 2016

Estudos apontam bom desempenho de beneficiados por bônus ou cotas


Políticas como cotas e bônus têm aberto as portas das universidades públicas para candidatos com bom desempenho escolar e os estimulado a buscar carreiras competitivas, mas podem levar os potenciais beneficiados a se dedicar menos aos estudos no ensino médio.
Essas são as conclusões de estudos recentes sobre as ações afirmativas brasileiras, que começaram a ser adotadas há mais de uma década no ensino superior e foram ampliadas nos últimos anos.
Segundo especialistas, analisar os resultados dessas políticas ajuda a entender seus efeitos e a necessidade de ajustes. "Havia receio de que as cotas diminuiriam muito a qualidade do aluno ingressante, mas isso não parece ser verdade", diz Naércio Menezes Filho, do Insper.
Um estudo feito neste ano pelo economista, em coautoria com os pesquisadores Lara Vilela e Thiago Yudi Tachibana, estabeleceu cenários hipotéticos –com ou sem cotas– para avaliar o impacto da política sobre as notas de entrada em cinco universidades federais (Goiás, Bahia, Pará, Minas Gerais e Rio Grande do Sul) com base nos dados do Enem de 2008.
A pesquisa mostra que o desempenho médio dos ingressantes é muito próximo nas duas simulações. A introdução de cotas para 50% das vagas representaria reduções de, no máximo, 1% na nota média geral de entrada.
Segundo Menezes Filho, como a população brasileira é grande, há muitos adolescentes de grupos favorecidos pelas cotas que são ótimos alunos e ficavam de fora dessas instituições por pequenas diferenças de notas.
Desde 2013, as universidades federais tiveram de ampliar gradativamente as vagas oferecidas por meio de cotas que, neste ano, atingiram 50% do total. São beneficiados alunos que cursaram todo o ensino médio em escola pública. A divisão também leva em conta a proporção de negros, pardos e indígenas em cada Estado.
Já as instituições estaduais continuam com políticas próprias. Em São Paulo, USP e Unicamp trabalham com o sistema de bônus, que adiciona pontos às notas obtidas pelos vestibulandos beneficiados.
Os economistas Fernanda Estevan, Thomas Gall e Louis-Philippe Morin compararam dados dos alunos que entraram na Unicamp beneficiados por esse sistema em 2005 e dos que perderam a vaga em consequência da política.
Concluíram que os dois grupos tiveram desempenho muito parecido no Enem. A nota média no exame dos beneficiados foi 100,9 e a dos que ficaram de fora, 101,6.
Apesar disso, os estudantes que entraram graças ao bônus tinham perfil socioeconômico mais desfavorável.
Entre os beneficiados, 99% vieram de escolas públicas e 33% eram negros, pardos ou indígenas. No grupo dos que perderam vaga por causa dos bônus, esses percentuais eram de 4% e 11%, respectivamente.
"A política estava sendo redistributiva sem causar distorção em termos da qualidade de quem entra", diz Estevan. Mas ela ressalta que o estudo foi feito antes da ampliação significativa da política de bônus pela Unicamp.
No ano analisado, a universidade concedia um bônus de 30 pontos na segunda fase do vestibular para os alunos de escolas públicas. Se esses estudantes se declarassem negros, pardos ou indígenas, ganhavam dez pontos a mais.
Hoje, a universidade concede 60 pontos para alunos de escolas públicas (subindo para 80 se eles forem negros, pardos ou indígenas). Na segunda fase, o bônus é de 90 e 120, respectivamente.
MOBILIDADE SOCIAL
A chance de um aluno de escola pública se candidatar às dez carreiras mais concorridas da Unicamp após a adoção do regime de bônus no vestibular de 2005 aumentou em 5%.
Na lista dos cursos mais competitivos - considerando a nota de corte de entrada na segunda fase do vestibular -, estavam Medicina, algumas Engenharias e Ciências da Computação, entre outros.
A probabilidade de um aluno de escola pública escolher Medicina, por exemplo, aumentou 11% logo após a introdução dos bônus.
Esses resultados são preliminares e fazem parte de uma segunda rodada do estudo dos acadêmicos Fernanda Estevan, Thomas Gall e Louis-Philippe Morin sobre a ação afirmativa da Unicamp. A análise feita pelos pesquisadores comparou grupos de alunos com notas similares no Enem.
Segundo Estevan, o possível incentivo criado pela ação afirmativa à busca de carreiras que oferecem melhor remuneração no mercado de trabalho é positivo.
"Isso significa que essas políticas podem ter um papel ainda mais relevante em termos de mobilidade social", diz a economista da USP.
A investigação também procurou identificar sinais de que potenciais beneficiados pelos bônus se dedicaram menos aos estudos para o vestibular da Unicamp, mas não encontraram indicação disso no primeiro ano de adoção do bônus.
Mas Estevan afirma que esse resultado pode ter mudado com a adoção recente de bônus bem mais significativos pela universidade estadual.
Uma pesquisa feita pelos economistas Juliano Assunção e Bruno Ferman mostra que ações afirmativas muito agressivas podem diminuir o esforço escolar feito pelos grupos favorecidos.
Os pesquisadores analisaram as notas de alunos de todo o país do último ano do ensino médio no Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) em 2001 e 2003.
A ideia era identificar possíveis alterações no desempenho de grupos beneficiados por cotas nos Estados do Rio de Janeiro e da Bahia onde três universidades públicas (UERJ, UENF e UNEB) foram pioneiras na adoção dessa política em 2002.
A conclusão dos pesquisadores foi que as cotas mais amplas adotadas inicialmente pelas universidades estaduais do Rio para alunos negros de escolas públicas levaram a uma redução das notas desse grupo em 6%.
Isso provocou um aumento de 18% na distância que já separava estudantes negros de escolas públicas e alunos brancos de escolas privadas em termos da aprendizagem medida pelo Saeb.
Para outros grupos de alunos beneficiados tanto no Rio quanto na Bahia, Assunção e Ferman não identificaram alteração de desempenho escolar em consequência das cotas.
Inicialmente no Rio, as cotas que beneficiavam alunos negros de escolas públicas eram bem mais amplas que as dos outros beneficiados, levando a uma grande redução da relação candidato vaga relativa do primeiro grupo.
Posteriormente, o Estado mudou os critérios, adotando, por exemplo, um teto de renda para as cotas destinadas a negros.
"Esses resultados não significam que o impacto total das cotas seja negativo, mas que a política precisa ser implementada com cuidado para não permitir que a nota de corte de entrada fique muito baixa", diz Assunção, da PUC-Rio.

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