'Perdi 34 amigos em um ano', diz moradora da capital líder na morte de negros
Grupos ligados ao tráfico que são rivais até no nome disputam o controle do crime na periferia da cidade
João Pessoa, capital líder em homicídios de negros no Brasil, vive uma guerra particular. No centro do conflito estão "Al Qaeda" e "EUA".
No lugar de terroristas e das forças armadas mais poderosa do mundo, no entanto, estão grupos que controlam diferentes áreas da cidade e lutam pelo comando do tráfico e de presídios.
Em terras paraibanas, "Al Qaeda" virou "Okaida". "EUA" é a clara referência à rivalidade entre os grupos de bairros diferentes.
Sob ameaça de morte, jovens são proibidos de frequentar espaços visados por jovens de áreas rivais, ainda que não tenham ligação com o crime. Pichações das gangues marcam cenas de homicídios.
A briga entre torcidas organizadas também estimula a violência. Apesar de torcerem para o mesmo time, o Botafogo-PB, a Torcida Jovem da Paraíba e a Fúria Independente são de bairros rivais e mobilizam centenas de jovens.
Para a polícia, o ódio entre bairros é fomentado por traficantes para forçar jovens vulneráveis a entrar nas facções.
"Perguntamos o por quê do encantamento com facções e o próprio jovem não sabe dizer", diz Andrezza Gomes, 22, da Pastoral do Menor.
MORTES DE NEGROS
João Pessoa registrou 518 mortes violentas em 2012. Para a Polícia Civil, metade está ligada ao tráfico e à disputa entre os grupos.
O Mapa da Violência 2012, (CEBELA/FLACSO)que computa homicídios de 2010 registrados pelo SUS, mostra que, para cada homicídio de branco, 29 negros são mortos na cidade.
É a capital com a maior taxa de homicídios de negros do país: 140,7 por 100 mil negros. A taxa nacional é quatro vezes menor, 36.
O estudo considera negro a somatória de quem se declara preto e pardo ao IBGE.
No Mangabeira, maior bairro da cidade, os dados do estudo reforçam o que Renata Wilma de Lima, 27, moradora do local, já sabe.
"Perdi 34 amigos no meu bairro em um ano [2012]. A maioria a droga levou. A grande maioria era negra", diz.
Para o historiador e militante negro Danilo da Silva, a Paraíba vive um "genocídio" de negros. Não se trata, porém, de um confronto entre raças, mas de enfrentamento entre os próprios moradores da periferia.
Silva aponta a "omissão do Estado", como o componente que permite essa situação.
"É como se o envolvimento no tráfico justificasse tudo: morreu, foi coisa boa. Mas nem todos estão envolvidos."
Estudante, pedreiro, capoeirista e negro, Edjackson da Silva Ferreira, 17, foi morto no último dia 20 no condomínio onde vivia com a mãe, no bairro do Valentina, um dos mais violentos da capital.
Moradores do condomínio rival invadiram o local e atiraram em Ferreira "para não perder a viagem", pois não encontraram seus alvos, dizem pessoas próximas."Ele não era do tráfico", diz o professor de capoeira João Paulo Pereira, 28.
Desde então, tiros entre os condomínios são quase diários. Até semana passada, ninguém havia sido preso.
OUTRO LADO
Líderes das duas gangues foram presos, diz governo
Titular da Segurança Pública diz que Estado não registra cor de vítimas pois não há como outra pessoa estabelecer quem é negro
De acordo com o delegado Isaías Gualberto, assessor de ações estratégicas da Secretaria de Segurança Pública, os líderes dos grupos "Okaida" e "EUA" já foram presos.
Segundo o delegado, das 518 mortes violentas registradas no ano passado, 284 foram elucidadas, o que fará a sensação de impunidade diminuir com o tempo e, com ela, a criminalidade.
A investigação melhorou, afirma o delegado, porque o governo do Estado aumentou o número de policiais civis na capital.
Sobre as mortes de negros em João Pessoa, o secretário da Segurança e da Defesa Social da Paraíba, Cláudio Lima, diz que os números do Mapa da Violência sobre esses homicídios em João Pessoa indicam uma tendência.
No entanto, o secretário afirma que essas informações não são exatas, pois a base são dados do Ministério da Saúde (SUS).
Segundo ele, pode haver discrepância entre os dados populacionais do IBGE, que trabalha com a autodeclaração da cor, e os de homicídios registrados pela rede do SUS, em que o médico precisa atestar a cor da vítima.
O Estado não registra a cor das vítimas, afirma o secretário, porque não há como um terceiro (um policial) estabelecer quem é negro.
Assim, não há dados do governo estadual sobre os números de mortes de negros na Paraíba.
"O recorte [feito pelo governo para ações de segurança pública] é o da idade [14 a 29 anos] e o da situação econômica. Coincidentemente, [os negros] estão dentro dessa faixa", afirma.
No entanto, o secretário diz que o Estado irá "analisar e enquadrar em ações futuras" reivindicações de grupos de direitos humanos que pedem por estatísticas e ações focadas especificamente na população negra.
De acordo com Lima, as mortes violentas em geral caíram 12,8% em João Pessoa de 2011, (quando foram registradas 594 casos) para 2012 (518), após dez anos consecutivos de alta.
O resultado, diz, foi obtido com "planos e metas de ações repressivas para cada unidade de polícia".
O secretário da Segurança reconhece, porém, que as ações preventivas "ainda são muito tímidas".
Quanto à queixa de militantes do movimento negro de que a polícia não apura mortes na periferia da cidade, o delegado Gualberto afirma que a atual gestão fez o índice de elucidação de homicídios subir de 10% para 54,8% em dois anos.
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