Folha de S.Paulo, 26/3/2013
SÃO PAULO - Em geral, não dá certo explicar melhor colunas que não foram bem assimiladas de primeira, mas, em respeito aos que me escreveram para comentar o texto de sexta sobre o aborto, arrisco fazê-lo.
Eu até poderia ter dito que é inútil tentar proibir o que todos fazem, mas meu argumento não era esse, mesmo porque não é a maioria das mulheres que aborta. O que quis dizer quando evoquei a necessidade de construir 5,5 presídios por dia é que a pena prevista é desproporcional ao ato praticado, mesmo para quem julga o aborto um tipo de homicídio.
Com efeito, teríamos um país melhor se o sistema fosse capaz de prender todos os autores dos cerca de 35 mil homicídios dolosos anuais registrados no Brasil. Mas, se fizéssemos o mesmo com todas as mulheres que recorrem ao aborto, o resultado, penso, seria uma sociedade pior, já que multiplicaríamos a taxa de infelicidade sem extrair benefícios palpáveis.
Embora nossas mentes gostem de privilegiar instantes percebidos como essenciais, a natureza costuma operar por meio de processos contínuos. Não acho, portanto, que faça muito sentido marcar um momento mágico a partir do qual o embrião se torna titular de plenos direitos civis -quem você salvaria do incêndio na clínica de fertilidade, as duas crianças na sala de espera ou a geladeira com 200 embriões congelados?
Para os que insistem em ver as coisas dessa maneira, porém, lembro que a lei já prevê várias situações em que homicídios não são punidos. O próprio aborto necessário, para salvar a vida da mãe, é um deles. Há ainda legítima defesa, estrito cumprimento do dever etc. Até damos medalhas para nossos soldados que matam o maior número de inimigos, a maioria deles jovens tão inocentes quanto os nossos, que apenas nasceram do lado errado da fronteira. Historicamente, sociedades só proíbem os homicídios que tendem a desorganizá-las, tolerando e até incentivando os que as mantenham coesas.
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