24 de março de 2013

Em 10 anos, morte de jovens aumenta 1.000% em Natal


CAPITAIS DO MEDO

Cidade é a capital com o maior aumento nas mortes de crianças e adolescentes
Autoridades apontam falta de vagas para internação de jovens infratores como uma das causas da violência
REYNALDO TUROLLO JR.ENVIADO ESPECIAL A NATAL, Folha de SW.Paulo, 24/3/2013

Cenário de um aumento vertiginoso nos homicídios de jovens na década passada, Natal (RN) ainda tenta entender as causas da violência em meio a sinais da ação de grupos de extermínio.
A taxa de homicídios de crianças e adolescentes (até 19 anos) na cidade subiu de 2,9 para 30,5 por 100 mil jovens entre 2000 e 2010 -salto de 952%, o maior no período entre as capitais.
Apesar da explosão de casos, a capital ainda é a décima onde mais se matam jovens no país -Maceió tem a maior taxa, 79,8 (leia mais na pág. C6).
Governo e Ministério Público investigam se quadrilhas de extermínio de jovens estão por trás dessas estatísticas.
Relatos de homens encapuzados em carros sem placa em busca de alvos predeterminados são recorrentes -para a Justiça, são indícios da ação desses grupos.
Autoridades apontam a falta de vagas para internação de jovens infratores como um dos propulsores da violência.
Por lei, mesmo após condenação, o adolescente deve ser liberado se não houver vagas no sistema socioeducativo.
Em fevereiro, havia apenas 75 adolescentes internados no Rio Grande do Norte, segundo a Promotoria. O poder público desconhece a dimensão do deficit de vagas.
Segundo o promotor Leonardo Nagashima, o problema se agravou após a recente interdição do maior centro de internação, em Parnamirim, na Grande Natal, por problemas de superlotação.
'BARBÁRIE'
"Quando o Estado não pune, a sociedade faz justiça com as próprias mãos", afirma o juiz da Infância e da Juventude Homero Lechner.
"Aí existe a possibilidade de criação de mecanismos de eliminação desses jovens. Seria a volta à barbárie", diz o magistrado, um dia após ter condenado 12 jovens -liberados pela falta de vagas.
O envolvimento com drogas, como usuário ou traficante, explica boa parte das mortes na periferia de Natal.
Bairros como Felipe Camarão e Nossa Senhora da Apresentação estão entre os mais críticos, segundo o Obijuv (Observatório da População Infantojuvenil) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
O último é carente de equipamentos públicos, como escolas e áreas de lazer. Já Felipe Camarão tem postos de saúde, creches e ONGs atuantes. Apesar disso, a violência mostra que ações do poder público e de ONGs não atraem todos os jovens, criando uma "periferia da periferia", avalia a psicóloga Daniela Rodrigues, do Obijuv.
Os cursos oferecidos buscam atender a demandas da cidade -ligadas sobretudo ao turismo-, e não às necessidades dos jovens, diz.
"Uma parte da juventude quer ser garçom, mas outra, não", diz a assistente social Shirlenne Santos, do Obijuv.
E se os dados do Mapa da Violência atestam a explosão das mortes de jovens em Natal, o próprio governo do Estado demonstra dificuldade na identificação da situação.
Procurada pela Folha, a Secretaria da Segurança Pública do Estado não informou quantas crianças e adolescentes foram mortos em Natal em 2011 e 2012. Tampouco apresentou justificativa.

'Se você não mata, morre', afirma ex-chefe de gangue
DO ENVIADO A NATALChefe de gangue no início dos anos 1990 em Felipe Camarão, um dos bairros onde mais se matam jovens em Natal, Alcemir Varela da Silva, 43, viu a violência urbana mudar de perfil nos últimos anos: da briga de gangues para o tráfico de drogas.
A consequência dessa transformação, afirma, é o aumento expressivo nas mortes de adolescentes.
"No meu tempo eu queria meus inimigos vivos, nenhum morto. Eles tinham que estar vivos para me ver reinando. Hoje você tem que matar logo, porque se você não mata, você morre", compara.
Segundo ele, alguns de seus amigos morreram com mais de 20 anos. "Os caras naquela época duravam mais".
FAMA
Silva conta que entrou para as gangues aos 16 anos. A motivação era a fama. "Hoje é a questão do poder aquisitivo", avalia.
Ele deixou a vida nas gangues após levar cinco tiros numa emboscada armada por um inimigo em seu próprio bairro.
Hoje, ainda em Felipe Camarão, Silva ensina capoeira para jovens em escolas e projetos sociais.

OUTRO LADO
Governo diz criar formas para reduzir assassinatos
Entre as medidas está a reforma de centros de internação de menores, diz órgão do governo responsável pelo setor
DO ENVIADO A NATALO governo do Rio Grande do Norte está criando estratégias para reduzir o número de mortes de jovens na capital e no interior, informou a Fundac (Fundação Estadual da Criança e do Adolescente), órgão responsável pela gestão do sistema socioeducativo no Estado.
Sobre as suspeitas da ação de grupos de extermínio em Natal, a fundação disse tê-las encaminhado à Secretaria de Segurança Pública "para que tome as devidas providências".
A nota da Fundac foi a única resposta do governo potiguar às perguntas da Folha.
Sobre temas específicos de segurança, a reportagem solicitou entrevista com o secretário da pasta, Aldair da Rocha, mas não foi atendida e não houve justificativa.
Sobre o sistema socioeducacional, a Fundac disse que suas unidades passam por melhoras estruturais e no quadro de servidores.
Recentemente interditada, a unidade de Parnamirim, segundo a fundação, está em fase final de reforma.
Ao todo, o Estado tem quatro centros de internação permanente de jovens, com 105 vagas. Como a unidade de Parnamirim está fechada, o número caiu para 55.
A fundação afirmou ainda irá construir um novo centro na Grande Natal, ainda sem previsão de conclusão.
O órgão disse ter assinado ajustamento de conduta com a Promotoria para aumentar o pessoal em suas unidades, e que está convocando outros servidores que hoje estão cedidos a outros órgãos.
Segundo a fundação, é preciso que os Estados recebam apoio financeiro do governo federal para concretizar as melhorias necessárias.
      Ajuda Federal trouxe queda nos homicídios
      DO ENVIADO A MACEIÓOs homicídios em Maceió caíram 20,5% de 2011 para 2012, após 12 anos de crescimento, afirma a Secretaria Estadual da Defesa Social. Foram 753 casos no ano passado, ante 947 em 2011.
      No período de vigência do programa federal Brasil Mais Seguro, diz a pasta, a queda das mortes violentas foi ainda maior -23% em comparação com período anterior.
      Para ficar no lugar do reforço da Força Nacional, o Estado abriu concursos para contratar 1.040 policiais militares e 400 policiais civis.
      "Está acordado que a Força Nacional permanece aqui enquanto estivermos com o pessoal dos concursos em formação", diz o secretário Dário Cesar Cavalcante. Segundo ele, o governo já constrói um presídio na região do agreste para 800 presos, ao custo de R$ 30 milhões.
      Ainda não há data para a construção de uma unidade de regime semiaberto em AL.
      Para monitorar as armas apreendidas, foram instaladas câmeras e fechaduras eletrônicas na sala da perícia.
      O secretário Cavalcante afirma que o governo obteve R$ 130 milhões com o BNDES para investir em segurança em 2013 e 2014.
        ANÁLISE
        Medo faz parte do cotidiano das cidades brasileiras
        JULIO JACOBO WAISELFISZESPECIAL PARA A FOLHA
        O medo é parte do cotidiano das cidades brasileiras. Pesquisa de 2012 do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontou que 62% dos moradores do país têm "muito medo" de serem assassinados e 23%, "um pouco de medo". Só 14% manifestaram "nenhum medo".
        Esse temor é justificado. As 52.260 vítimas de homicídio contabilizadas pelo Ministério da Saúde em 2010 -70% por armas de fogo- fazem do Brasil o país com o maior número de assassinatos do planeta, com índices que superam mortes em guerras.
        Em 2012/13 divulgamos uma série de Mapas da Violência. Em síntese, podemos destacar os seguintes pontos:
        1) Os elevados índices de homicídios de crianças e adolescentes: o país ocupa o quarto lugar entre 92 países. E também de mulheres: sétima colocação entre 84 países;
        2) A alta vitimização de negros e de jovens, cujas mortes vêm crescendo.
        3) Mudança significativa nos padrões da violência homicida: se até fins da década de 1990 o crescimento se concentrava nas regiões metropolitanas, de 2000 a 2010 a violência regride nessas regiões, mas espalha-se pelo país.
        5) As seis capitais que em 2000 eram as mais violentas -Recife, Vitória, Cuiabá, São Paulo, Porto Velho e Rio de Janeiro- diminuem suas taxas de forma significativa;
        6) Nas 11 capitais menos violentas em 2000 as taxas crescem. De forma acelerada em Fortaleza, Curitiba, Belém, São Luís e Salvador.
        Vários fatores concorrem para explicar esse processo:
        No ano 2000 foi implantado o Plano Nacional de Segurança Pública, que priorizou política e financeiramente essas metrópoles mais violentas.
        O processo de desconcentração econômica também deslocou a criminalidade.
        Há ainda a impunidade: pesquisas apontam que menos de 5% dos autores de homicídio são punidos. A taxa em países avançados supera 60%.

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