4 de agosto de 2013

ENTREVISTA SALIL SHETTY Polícias Civil e Militar no Brasil deveriam se fundir

Uso excessivo da força é recorrente no país, afirma secretário-geral da Anistia

RAFAEL GREGORIODE SÃO PAULO, Folha de S.Paulo, 4/8/2013

Secretário-geral da AI (Anistia Internacional) desde 2009, Salil Shetty, 52, não evitou divididas em uma hora de conversa telefônica.
Falando de Londres, ele apresentou posições da entidade --uma das mais respeitadas no mundo-- sobre espionagem de governos, golpe no Egito e a relação entre internet e direitos humanos.
Ele chega ao Brasil nesta segunda-feira para visitar Brasília, São Paulo, comunidades indígenas na região norte e Rio de Janeiro, onde a AI abriu escritório em 2011.
Folha - Como ver as mais de 130 mortes de jornalistas em 2012 no mundo, 5 no Brasil?
Salil Shetty - A maioria dos ataques não são isolados --eles dizem respeito a um problema maior de segurança pública e de Estado de Direito. No Brasil, as vítimas haviam denunciado questões de terra, corrupção e violação de direitos humanos. Não são quaisquer jornalistas.
A situação é melhor nos EUA e na Europa?
São países com histórias mais longevas de liberdade de expressão. Muitas nações na América Latina são ditaduras recentes com dificuldades em lidar com a imprensa livre.
Há algumas semanas, a polícia do Rio de Janeiro prendeu profissionais que transmitiam um protesto ao vivo por "perturbação da ação policial". Falta compreensão sobre o que é o jornalismo hoje?
Provavelmente, mas isso também se liga ao desafio do país sobre como sua polícia funciona. O excesso de força é frequente. A Anistia Internacional vem documentando há anos casos de tortura e de execuções. Não tenho dúvidas de que as polícias Civil e Militar deveriam se fundir em uma só, e a ONU já sugeriu há anos que a polícia militar brasileira fosse extinta.
Como a internet age na proteção de direitos humanos?
Não devemos menosprezar a internet, mas o verdadeiro fenômeno, principalmente nos países em desenvolvimento, são os celulares.
O exemplo da Síria é ótimo: há 30 anos, o pai de Bashar al-Assad fez em Hama o mesmo que ele está fazendo agora. Porém, na época, ninguém soube. Agora, assim que os ataques começam já há fotos e vídeos na internet. Não há mais onde esconder.
Falando em Síria, qual a maior preocupação hoje no país?
O mais urgente é abrir acesso. Quase 25% do povo está ou deslocado dentro da Síria ou fora. O número de refugiados já passa de 1,4 milhão.
A Anistia Internacional já denunciou os crimes de guerra cometidos pelas forças do governo e a situação se mantém. De tempos para cá, os rebeldes também praticaram tortura, detenções incomunicáveis, enfim, todo o menu de violações clássicas. O cenário lá é muito bem documentado, mas ainda assim vai de mal a pior. Em nossa geração, nunca vimos caso tão grave. É nossa responsabilidade.
Do Brasil também?
Com certeza. O país passou a criticar violações de direitos humanos em âmbito internacional, um sinal positivo, mas reluta em denunciar a Síria ao Tribunal Penal Internacional (ICC, na sigla em inglês).
Como vê a questão do Egito?
O fato de que o presidente deposto [Mohammed Mursi] está preso em um lugar desconhecido e incomunicável é um exemplo de uso desproporcional da força.
É uma situação paradoxal: durante 30 anos, Hosni Mubarak reprimiu a Irmandade Muçulmana. Eles finalmente chegaram ao poder e, agora, voltam ao ponto original.
A espionagem de governos é violação de direitos humanos?
Sim. Após a "guerra ao terror", os EUA e outros países sentiram-se no direito de violar acordos internacionais, o que resvala na tortura na prisão de Guantánamo e no monitoramento da CIA.
Estivemos com [Edward] Snowden quando ele reuniu ativistas em Moscou. Nossa posição é clara: se ele vazou violações de direitos humanos, está protegido graças aos direitos de informação e à liberdade de expressão.


Além disso, tem direito ao asilo, como todos, e é nítido que os EUA têm dificuldade em dar um julgamento justo.

RAIO-X SALIL SHETTY
IDADE E NACIONALIDADE
52 anos, indiano
FORMAÇÃO
Mestre em política social e planejamento pela London School of Economics
CARREIRA
Diretor da Campanha do Milênio da ONU (2003-2010); secretário-geral da Anistia Internacional desde julho de 2010

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