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Fetiche democrático
Processo de escolha do reitor da USP precisa ser aprimorado, mas eleições diretas não são solução para universidades públicas
Tampouco se ignora que o método de escolha há anos sofre críticas de diversos setores --inclusive desta Folha. Pode-se questionar, por exemplo, se o modelo leva ao comando da universidade os quadros mais aptos para a função, ou se privilegia acordos políticos e grupos mais familiarizados com a burocracia interna do que com o tripé ensino, pesquisa e extensão.
Daí não decorre que eleições diretas para reitor sejam a alternativa indicada para universidades públicas, nem que representem a única opção para aumentar a participação da comunidade acadêmica.
Cumpre notar, aliás, que grandes universidades do exterior, mesmo aquelas mais prestigiosas e antigas que a USP, não adotam o voto direto. Há boas razões para isso.
Embora mais numerosos, alunos e servidores não constituem o núcleo produtivo da universidade. É de perguntar, portanto, se a academia teria a ganhar com a paridade entre os eleitores, ou se, como soa mais provável, sairiam vencedores os pleitos estudantis e funcionais --decerto legítimos, mas menos afeitos à finalidade da instituição.
Os professores, por seu turno, formam o corpo permanente, direta e intrinsecamente ligado à missão universitária. Natural que sua voz seja mais ouvida na definição dos rumos acadêmicos.
Há outras questões a serem enfrentadas. Por princípio, a eleição direta pretende contemplar todos os votos. O aluno no fim do curso, assim, ajudará a eleger o reitor para um quadriênio, mas logo deixará a universidade. O calouro do ano seguinte, porém, sem que tenha participado da escolha, sentirá seus efeitos por seis semestres.
Levado a sério o argumento, a eleição direta em universidades públicas nem poderia se restringir ao ambiente acadêmico. O destino da USP, por exemplo, interessa ao país, e suas atividades são bancadas por todos os paulistas.
Os supostos arautos da democracia (que arbitrariamente invadem a reitoria), por coerência, não deveriam defender que a população inteira do Estado votasse? Logo se vê o contrassenso da situação.
Mas não se deve esquecer, finalmente, que a existência de uma lista tríplice, a ser apreciada pelo governador, garante que a população do Estado, por meio de seu representante eleito pelo voto direto, participe da escolha do reitor.
É fundamental que seja feito um debate sério acerca da USP, a mais importante universidade brasileira, que acaba de perder pelo menos 68 posições na principal classificação internacional. O modelo de escolha do reitor precisa ser aprimorado. Mas sem imaginar que a simples democratização possa, por mágica, dar conta dos problemas.
4/10/2013,Folha de S.Paulo
HÉLIO SCHWARTSMAN
Lagosta no bandejão
SÃO PAULO - Se há uma fórmula pouco democrática para escolher o reitor de uma universidade pública, é a eleição direta promovida só entre representantes da comunidade acadêmica. Sei que a afirmação soa contraditória para quem foi educado igualando eleição direta a democracia, mas não é difícil justificá-la.A USP sozinha aquinhoa 5% do ICMS de São Paulo. É um belo orçamento que, no ano passado, atingiu a respeitável marca de R$ 4,38 bilhões. Ela tem, de acordo com o princípio da autonomia universitária, razoável poder discricionário para investir esses recursos como julgar melhor.
É justamente aí que está a pegadinha. Se entregamos a uma instituição tanto dinheiro de impostos e, ao mesmo tempo, deixamos que ela escolha sem nenhum tipo de interferência como vai utilizá-lo, o resultado não é uma universidade pública na acepção mais plena do termo, mas uma associação corporativa. Um candidato a reitor menos escrupuloso poderia ver-se tentado a eleger-se prometendo generosos aumentos salariais para docentes e funcionários e lagosta no bandejão dos alunos.
Para que o circuito da democracia feche, é preciso que o conjunto da população dê o seu pitaco. A atual forma de fazê-lo, que é conferindo ao governador a prerrogativa de selecionar um dos três nomes apresentados pela comunidade acadêmica, pode não ser a ideal, mas ao menos empresta um pouco de legitimidade pública à escolha do dirigente.
Não estou dizendo aqui que a comunidade acadêmica deva ser ignorada na definição do reitor. Ela deve ser ouvida, mas de forma ponderada. O voto de professores, que têm seu prestígio profissional ligado ao da universidade e nela permanecem por longos períodos, deve valer mais que o de alunos, que não costumam ficar mais do que dois pares de anos vinculados à instituição. Mais importante, a sociedade, que é quem de fato paga as contas da universidade, não pode ser alijada desse processo.
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