4 de outubro de 2013

Escolha do Reitor da USP

Fetiche democrático
Processo de escolha do reitor da USP precisa ser aprimorado, mas eleições diretas não são solução para universidades públicas
Não há dúvidas de que a eleição para reitor da USP é pouco representativa. São mais de 90 mil alunos matriculados, 17 mil funcionários e 6.000 docentes, mas menos de 2.000 pessoas, a maioria professores, participam da definição da lista tríplice a ser encaminhada para o governador do Estado.
Tampouco se ignora que o método de escolha há anos sofre críticas de diversos setores --inclusive desta Folha. Pode-se questionar, por exemplo, se o modelo leva ao comando da universidade os quadros mais aptos para a função, ou se privilegia acordos políticos e grupos mais familiarizados com a burocracia interna do que com o tripé ensino, pesquisa e extensão.
Daí não decorre que eleições diretas para reitor sejam a alternativa indicada para universidades públicas, nem que representem a única opção para aumentar a participação da comunidade acadêmica.
Cumpre notar, aliás, que grandes universidades do exterior, mesmo aquelas mais prestigiosas e antigas que a USP, não adotam o voto direto. Há boas razões para isso.
Embora mais numerosos, alunos e servidores não constituem o núcleo produtivo da universidade. É de perguntar, portanto, se a academia teria a ganhar com a paridade entre os eleitores, ou se, como soa mais provável, sairiam vencedores os pleitos estudantis e funcionais --decerto legítimos, mas menos afeitos à finalidade da instituição.
Os professores, por seu turno, formam o corpo permanente, direta e intrinsecamente ligado à missão universitária. Natural que sua voz seja mais ouvida na definição dos rumos acadêmicos.
Há outras questões a serem enfrentadas. Por princípio, a eleição direta pretende contemplar todos os votos. O aluno no fim do curso, assim, ajudará a eleger o reitor para um quadriênio, mas logo deixará a universidade. O calouro do ano seguinte, porém, sem que tenha participado da escolha, sentirá seus efeitos por seis semestres.
Levado a sério o argumento, a eleição direta em universidades públicas nem poderia se restringir ao ambiente acadêmico. O destino da USP, por exemplo, interessa ao país, e suas atividades são bancadas por todos os paulistas.
Os supostos arautos da democracia (que arbitrariamente invadem a reitoria), por coerência, não deveriam defender que a população inteira do Estado votasse? Logo se vê o contrassenso da situação.
Mas não se deve esquecer, finalmente, que a existência de uma lista tríplice, a ser apreciada pelo governador, garante que a população do Estado, por meio de seu representante eleito pelo voto direto, participe da escolha do reitor.
É fundamental que seja feito um debate sério acerca da USP, a mais importante universidade brasileira, que acaba de perder pelo menos 68 posições na principal classificação internacional. O modelo de escolha do reitor precisa ser aprimorado. Mas sem imaginar que a simples democratização possa, por mágica, dar conta dos problemas.
4/10/2013,Folha de S.Paulo

HÉLIO SCHWARTSMAN
Lagosta no bandejão
SÃO PAULO - Se há uma fórmula pouco democrática para escolher o reitor de uma universidade pública, é a eleição direta promovida só entre representantes da comunidade acadêmica. Sei que a afirmação soa contraditória para quem foi educado igualando eleição direta a democracia, mas não é difícil justificá-la.
A USP sozinha aquinhoa 5% do ICMS de São Paulo. É um belo orçamento que, no ano passado, atingiu a respeitável marca de R$ 4,38 bilhões. Ela tem, de acordo com o princípio da autonomia universitária, razoável poder discricionário para investir esses recursos como julgar melhor.
É justamente aí que está a pegadinha. Se entregamos a uma instituição tanto dinheiro de impostos e, ao mesmo tempo, deixamos que ela escolha sem nenhum tipo de interferência como vai utilizá-lo, o resultado não é uma universidade pública na acepção mais plena do termo, mas uma associação corporativa. Um candidato a reitor menos escrupuloso poderia ver-se tentado a eleger-se prometendo generosos aumentos salariais para docentes e funcionários e lagosta no bandejão dos alunos.
Para que o circuito da democracia feche, é preciso que o conjunto da população dê o seu pitaco. A atual forma de fazê-lo, que é conferindo ao governador a prerrogativa de selecionar um dos três nomes apresentados pela comunidade acadêmica, pode não ser a ideal, mas ao menos empresta um pouco de legitimidade pública à escolha do dirigente.
Não estou dizendo aqui que a comunidade acadêmica deva ser ignorada na definição do reitor. Ela deve ser ouvida, mas de forma ponderada. O voto de professores, que têm seu prestígio profissional ligado ao da universidade e nela permanecem por longos períodos, deve valer mais que o de alunos, que não costumam ficar mais do que dois pares de anos vinculados à instituição. Mais importante, a sociedade, que é quem de fato paga as contas da universidade, não pode ser alijada desse processo.
helio@uol.com.br

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