19 de agosto de 2011

Ideb na porta da escola? Naercio Menezes Filho


19 de agosto de 2011
Educação no Brasil | Valor Econômico | Opinião | BR

Circula no Congresso Nacional um projeto de lei que obriga todas as escolas da rede pública a colocar o seu Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em um lugar visível na sua entrada. O objetivo é deixar claro para os pais dos alunos a qualidade da escola em que seus filhos estudam. Será que essa medida teria efeitos positivos sobre a qualidade do ensino, ao pressionar as escolas ruins e valorizar as melhores?
Em primeiro lugar, é necessário entender o papel do Ideb. A ideia de combinar as notas médias dos alunos nos exames da Prova Brasil com a sua taxa de aprovação é ótima. Uma boa escola tem que formar muitos alunos com qualidade. Assim, as escolas que seguram os alunos ruins para formar somente os melhores são penalizadas no índice. Ao mesmo tempo, escolas que deixam todos os alunos seguirem em frente, sem nenhuma cobrança, também são prejudicadas, pois as notas médias pioram. Além disso, o Ideb pegou, ou seja, está sendo usado para monitorar a qualidade do ensino nos municípios e estados, o que é muito importante para melhorar a qualidade da educação no Brasil.
Mas, o Ideb também tem problemas, inerentes a qualquer medida de avaliação de aprendizado. Em primeiro lugar, as notas das escolas refletem em grande medida o nível sócio-econômico dos seus alunos. Isso significa que se usássemos a escolaridade média das mães em vez da nota do Ideb para ordenar as escolas acertaríamos 35 das 100 melhores escolas do Rio de Janeiro e 76 entre as 100 melhores de Brasília, por exemplo. Isso sem contar outros indicadores socioeconômicos importantes para o aprendizado, tais como o nível de renda e o número de computadores e livros em casa. Assim, colocar uma placa com o Ideb na porta escola é, em muitos casos, praticamente o mesmo que colocar uma placa indicando a porcentagem das mães da escola que tem nível superior.
Medida não fará mal, mas também não vai resolver o problema do baixo aprendizado dos nossos alunos
Além disto, dificilmente as mães dos alunos iriam conseguir interpretar o valor do Ideb. Afinal, uma nota cinco deve ser considerada alta ou baixa? Na verdade, mais do que o valor absoluto, a melhor utilização para o índice de uma escola é compará-lo com o de outras escolas na mesma região, que atendem o mesmo público. No caso dos municípios, o importante é comparar o Ideb de cada ano com as metas que foram traçadas pelo Ministério da Educação para cada rede municipal. Assim, em vez de colocar uma placa com o Ideb na porta da escola, o ideal seria que fossem mandadas cartas para os pais dos alunos com os índices de todas as escolas do município e uma comparação com as metas estabelecidas para aquele ano. Ainda assim, será que isso teria efeito sobre o aprendizado?
Para nos ajudar a saber, nada melhor do que olhar as evidências trazidas por experiências de outros países. Duas pesquisas recentes trataram desse tema *. A primeira analisou o resultado de um experimento em Charlotte, Carolina do Norte, EUA) em que os pais dos alunos da rede receberam em casa informações detalhadas sobre as notas médias dos alunos de cada escola do distrito, ordenadas alfabeticamente. Os autores mostram que o envio dessas informações aumentou a proporção de pais que mudaram seus filhos de escola em 7 pontos percentuais e aumentou também a nota dos alunos que mudaram de escola. Além disso, o principal fator que fez uma família mudar de escola é a existência de outra escola com alto desempenho perto seu local de moradia.
A segunda pesquisa analisa o caso chileno. No Chile há um Sistema Nacional de Avaliação que premia escolas vencedoras, ou seja, aquelas que têm desempenho superior às demais e que atendem o mesmo público. Os resultados dessa premiação são divulgados para os pais dos alunos em jornais, por meio da internet e, em alguns municípios, colocando placas perto da entrada das escolas. Assim, no caso chileno a informação divulgada refere-se à posição relativa da escola e não sua nota absoluta, que no Chile também reflete basicamente o nível sócio-econômico dos país. Entretanto, ao comparar as matrículas nas escolas vencedoras com as demais após a divulgação dos resultados por cinco anos seguidos, os autores do estudo não conseguiram encontrar nenhuma diferença significativa entre elas.
Assim, nos dois casos analisados, a divulgação das notas comparativas das escolas (o melhor que poderíamos fazer) teve impacto pequeno (nos EUA) e nulo (no Chile). Nada nos faz supor que no Brasil seria diferente, dada a pouca preocupação dos pais com a qualidade da educação dos seus filhos e sua baixa capacidade de discernimento. Além disso, em muitos casos a alocação dos alunos nas escolas é feita pela rede e não pelas famílias. Por fim, nada indica que as piores escolas iriam reagir, mesmo que perdessem muitos alunos. Em suma, apesar de não causar nenhum mal, parece que colocar o Ideb na porta da escola não irá resolver o problema do baixo aprendizado dos nossos alunos, infelizmente.
(*) Information, School Choice and Academic Achievement: Evidence from Two Experiments por Hastings e Weinstein e School Markets: The Impact of Information Approximating Schools Effectiveness por Mizala e Urquiola.
Naercio Menezes Filho, professor titular - Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, é professor associado da FEA/USP e escreve mensalmente às sextas-feiras naercioamf@insper.edu.br

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