18 de julho de 2012

A Morte antes do Tempo: mortes de crianças e adolescentes



No Brasil, em 30 anos, taxa de assassinatos de crianças e adolescentes cresce 346%, CEBELA/FLACSO



André de Souza
andre.renato@bsb.oglobo.com.br, O Globo, 18/7/2012
BRASÍLIA

A Morte antes do tempo
As chances de uma criança ou adolescente brasileiro morrer assassinado são maiores hoje do que eram há 30 anos, deixando o país na quarta pior colocação numa comparação com outros 91 países. Em 1980, a taxa de homicídios na população entre zero e 19 anos era de 3,1 para cada 100 mil pessoas. Pulou para 7,7 em 1990, chegou a 11,9 em 2000 e alcançou 13,8 em 2010. Um crescimento de 346,4% em três décadas, em contraste com a mortalidade provocada por problemas de saúde, que teve queda acentuada. Quando considerada toda a população, a taxa de homicídios em 2010 foi de 27 por 100 mil habitantes. Considera-se que há uma epidemia de homicídios quando a taxa fica acima de 10 por 100 mil.
No Brasil, em 2010, 8.686 crianças e adolescentes foram vítimas de homicídio. De 1981 a 2010, o país perdeu 176.044 pessoas com 19 anos ou menos dessa forma. Meninos representam em torno de 90% do total.
Os números são do estudo "Mapa da Violência 2012 - Crianças e Adolescentes do Brasil", do pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador de Estudos sobre a Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) no Brasil. Além dos assassinatos, o estudo analisou as mortes violentas causadas por fatores externos, dividindo-as em cinco grupos: homicídios, acidentes de transporte, outros acidentes, suicídios e outras violências. Em 2010, de todas as mortes violentas de crianças e adolescentes, 43,3% foram homicídios; 27,2% acidentes de transporte; 19,7% outros acidentes.
Alagoas: estado com mais assassinatos
Em 1980, 16.457 crianças e adolescentes morreram de uma dessas cinco causas, de um total de 244.942 óbitos verificados na faixa etária do zero aos 19 anos. Desde então, mesmo quando o número absoluto de mortes violentas diminuiu, seu peso no total de óbitos só aumentou. Em 1980, eram 6,71% de todas as mortes. Vinte anos depois, em 2010, o índice alcançou 26,48% (20.048 de 75.708). Se desconsiderados os bebês com menos de um ano de idade, as mortes violentas foram responsáveis por mais da metade dos óbitos - 53,2% - em 2010.
O aumento mais acentuado - tanto na taxa de todas as causas externas quanto na de homicídios - ocorreu na década de 1980. Nos anos 90, houve desaceleração, mas ainda assim cresceu. Entre 2000 e 2010, a taxa de causas externas diminuiu, atingindo seu menor índice em 2006, mas desde então voltou a crescer. Os homicídios caíram no começo da última década, mas voltaram a aumentar, superando em 2010 a taxa observada dez anos antes. Em 1980, representavam 0,7% de todas as mortes de crianças e adolescentes. Em 2010, foram responsáveis por 11,5%.
Entre os estados, o que proporcionalmente mais teve crianças e adolescentes assassinados em 2010 foi Alagoas, com uma taxa de 34,8 por 100 mil. O estado era o décimo em 2000, quando a taxa era de 10,1 por 100 mil. Enquanto Alagoas passou da décima para a primeira posição, o Rio fez o caminho inverso. O estado tinha a pior taxa em 2000 - 25,9 por 100 mil - e em 2010 era o décimo pior, tendo caído 33,3%, para 17,2 assassinados a cada 100 mil.
A maior queda na taxa de homicídios foi em São Paulo: 76,1% entre 2000 e 2010. Além de Rio e SP, Pernambuco, Distrito Federal, Roraima e Mato Grosso do Sul caíram. O estudo levou em conta 523 municípios que, segundo o Censo 2010, têm população com mais de 20 mil pessoas de zero aos 19 anos.
Para Julio Jacobo há uma interligação de fatores que ajuda a explicar o aumento. Ele lembra que em 2000 foi implantado o Plano Nacional de Segurança Pública, que concentrou seus investimentos nos maiores polos de violência. Mas novos polos surgiram:
- Surgiram polos no interior e em outros estados sem recursos financeiros e sem tradição das polícias para o enfrentamento da criminalidade.

Rio deixa de ser estado que mais mata jovens

Implantação de UPPs, investimentos sociais e estabilização da economia estão entre os motivos, apontam especialistas
Sergio Ramalho
sergio.ramalho@oglobo.com.br

A MORTE ANTES DO TEMPO

Pelo menos em um ponto, especialistas em segurança pública consultados pelo GLOBO para explicar a queda na taxa de homicídios no Rio de Janeiro, constatada no Mapa da Violência 2012, são unânimes: não há consenso sobre as causas do declínio. O fato é que em 2000, segundo o pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, o Rio ocupava o topo do ranking nacional, com uma taxa de 25,9 assassinatos por cada grupo 100 mil habitantes na faixa etária de zero a 19 anos. Em 2010, esta taxa caiu para 17,2, levando o estado à décima colocação.
Segundo os especialistas, há uma série de fatores que vão da implementação de novas estratégias de combate a criminalidade, que inclui a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) e a criação da Divisão de Homicídios (DH), passando pelo aumento nos investimentos sociais e na estabilização da economia. Professor de sociologia da UFRJ, Michel Misse afirma que a taxa de homicídios no estado vem apresentando queda há pelo menos seis anos. Em São Paulo, segundo ele, essa tendência vem sendo comprovada há dez anos.
Michel Misse ressalta que os dados empregados por Julio Jacobo se referem às declarações de óbito do Data SUS, sem levar em conta os números de homicídios computados pelas polícias civis dos estados. Segundo o sociólogo, o método gera discrepância:
- O latrocínio, que é a morte da vítima numa tentativa de assalto, é computado numa categoria diferente do homicídio - argumenta Misse.
No tráfico, crianças e jovens são vítimas em potencial
Analista criminal do Instituto de Segurança Pública (ISP), o tenente-coronel Marcus Ferreira faz a mesma ponderação sobre os dados empregados na elaboração do Mapa da Violência. O ISP é responsável pela confecção das estatísticas de criminalidade, feitas com base nos registros da Polícia Civil. Marcus Ferreira, contudo, confirma a redução significativa nos indicativos de criminalidade do estado, com ênfase para os homicídios. Na opinião do analista criminal, a redução está associada à implantação das UPPs, à criação da DH e ao declínio do poder das quadrilhas ligadas ao tráfico de drogas:
- É importante frisar que esses grupos empregam em sua maioria crianças e adolescentes para atuar na venda de drogas e na prática de outros crimes. O que os torna vítimas em potencial - acredita Marcus Ferreira.
Ignácio Cano, do Laboratório de Análise de Violência da UERJ, também ressalta não haver um consenso sobre as causas do declínio da taxa de homicídios no Rio. O especialista cita ainda como possível explicação a diminuição do fluxo de migração, principalmente de estados do Nordeste para o Rio. Ignácio lembra também que em contrapartida, as taxas de homicídio subiram significativamente nas capitais nordestinas.

Violência é causa de 26% das mortes de 0 a 19 anos

Taxa de homicídios nessa faixa etária mais que triplicou em 30 anos

Em contraste com a tendência de queda no número de óbitos por causas naturais na infância e adolescência, a violência - homicídios, acidentes ou suicídios - passou a responder sozinha por 26% de todas as mortes registradas na faixa etária de zero a 19 anos no país em 2010. Em 1980, esta proporção era de apenas 7%. Os números constam do estudo "Mapa da Violência - Crianças e Adolescentes do Brasil", divulgado pelo pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). Dentre o grupo de mortes violentas, o tipo que registrou maior aumento neste segmento populacional foram os homicídios. Em 1980, em cada 100 mil crianças e jovens, 3,1 morreram assassinados. Trinta anos depois, a taxa saltou para 13,8. O maior crescimento, no entanto, não aconteceu na década passada, mas, sim, entre 1980 e 2000.




No quesito suicídio, João Pessoa e Cuiabá não tiveram nenhum jovem mortoAndré de Souza
andre.renato@bsb.oglobo.com.br


BRASÍLIA. Entre as capitais brasileiras, o Nordeste apresenta a pior situação no Mapa da Violência. A liderança na taxa de homicídios - 79,8 por 100 mil - é de Maceió. Em segundo lugar, vem uma capital do Sudeste, Vitória, com índice um pouco menor, de 76,8 por 100 mil. Em seguida, somente cidades nordestinas: João Pessoa (59,4), Salvador (58), Recife (41,8) e Fortaleza (41,1).
No Rio de Janeiro, a cidade com maior índice de homicídios é Duque de Caxias, na Baixada Fluminense: 44,2 por 100 mil, na 25ª posição nacional. Entre as 100 mais violentas, há ainda Cabo Frio, Itaboraí, Niterói, Macaé, Itaguaí e Resende.
O Rio se destaca negativamente no quesito "outros acidentes", que inclui, por exemplo, quedas, afogamento, choques elétricos, exposição ao fogo ou fumaça, fenômenos naturais, deixando de fora os acidentes de transporte. Niterói, tem o pior índice: 59,6 óbitos por 100 mil. A terceira colocada é Angra dos Reis, também no Rio, com índice de 39,4.
Enquanto na maioria das cidades e dos estados houve uma queda no grupo de mortes provocadas por outros acidentes, no Rio ocorreu o oposto. No estado, cresceu 22,5%, passando de 7,9 óbitos por 100 mil em 2000 para 9,7 em 2010. Na capital, o aumento foi mais significativo, de 54,3%, passando de 5,9 por 100 mil para 9,1 entre 2000 e 2010. Segundo Julio Jacobo, seu estudo é capaz de dizer apenas que o Rio vai mal nesse ponto, mas não pode explicar a razão disso.
- Eu sempre digo que o mapa não é um diagnóstico, é um termômetro. Indica que temos febre. Não indica qual é a enfermidade. Há uma situação anômala em Niterói, mas eu não sei qual é a enfermidade em si. É um subsídio ao poder público, à imprensa para fazer diagnóstico - afirmou o pesquisador.
No quesito suicídio, as cinco cidades com mais de 20 mil crianças e adolescentes com piores índices foram Tabatinga-AM (19,2 por 100 mil), Catanduva-SP (10,3), Tauá-CE (9,9), Ponta Porã-MS (9,9) e Coelho Neto-MA (9,7). A capital em que mais jovens cometeram suicídio foi Aracaju, com taxa de 4,5 por 100 mil. Em João Pessoa e Cuiabá não houve nenhum caso entre a população de até 19 anos em 2010.



Estado foi o que mais teve crianças e adolescentes assassinados; número cresceu de 203 para 1.172 de 2000 a 2010Rodrigo Meneses e Euzeni Dalttro
opais@oglobo.com.br
SALVADOR. Em números absolutos, o estado que mais teve crianças e adolescentes assassinados em 2010 foi a Bahia: 1.172, quase seis vezes o observado em 2000, quando houve 203 assassinatos. Além disso, a Bahia também tem o maior número de municípios violentos para os jovens brasileiros. Das 13 cidades do país com maiores taxas de crianças e adolescentes assassinados em 2010, oito - inclusive a capital, Salvador - ficam no estado. Entre elas estão a primeira e a segunda colocadas, respectivamente Simões Filho (taxa de 134,4 homicídios por cem mil crianças e adolescentes) e Lauro de Freitas (94,6 por cem mil).
A rotina de violência enluta famílias baianas. Os casos de assassinatos de menores têm se multiplicado, motivados, principalmente, por envolvimento com o tráfico de drogas.
O drama da aposentada Ana Pires dos Santos Pinto, de 61 anos, é comovente. Seu filho adotivo, Moacir dos Santos Pinto, de 16 anos, foi executado no dia 12 de julho, com perfurações no pescoço e na cabeça em um matagal no Parque das Mangabas, no município de Camaçari, entre as cidades de Lauro de Freitas e Simões Filho, na região metropolitana de Salvador . O fim de Moacir foi muito diferente do que a mãe adotiva havia sonhado para ele.
- Esperava que ele fosse um menino estudioso, obediente e me desse alegrias. O que eu mais desejava era que ele fizesse uma faculdade - lamentou aos prantos ao rememorar o caso.
A polícia ainda não tem suspeito nem sabe a motivação do crime. Conforme informações da delegacia de Camaçari, a forma como o jovem foi morto caracteriza execução.
- Ouvi três tiros. Saí para olhar e vi quando três homens saíram correndo do matagal - disse um morador.
Ana contou que, na noite do crime, foi à igreja com a família e deixou Moacir em casa. Na volta, o adolescente já havia saído e não voltou para dormir. Foi ela quem reconheceu o corpo do filho, instantes após ser encontrado por um morador.
- Foi um choque muito grande. Não tive coragem de voltar lá. Deus abençoe os responsáveis por essa malvadeza. Abençoe para que eles não façam isso com mais ninguém - disse Ana, que afirmou não conhecer os amigos do filho e não saber se ele tinha envolvimento com o mundo do crime.
Outros crimes são causados por ciúmes. Foi o que vitimou a adolescente, de 15 anos, Léia Pimentel Santos, morta pelo namorado, Alan, com tiros no rosto, no dia 4 de julho, no bairro de Canabrava, periferia de Salvador
Segundo uma testemunha, que pediu anonimato, depois de Alan ligar várias vezes, Léia atendeu o celular e disse que estava na casa de uma amiga.
- Ele ligou de novo e mandou ela sair. Fui à sala, e ela não estava. Ainda pensei: Léia saiu sem me avisar. Depois, ouvi barulho de tiro. Mas foi minha filha de 4 anos que me chamou para mostrar Léia caída fora da casa - contou a testemunha.
Vanessa, de 18 anos, irmã da vítima, disse que Alan tinha muitos ciúmes da garota, e por isso a jovem não queria mais namorá-lo.
- Eu acho que eles estavam namorando escondidos. Fiquei sabendo disso pelas amigas dela - contou. Depois de passar o dia no trabalho, o servente Valério Pimentel, de 45 anos, soube da morte da filha. Lamentou que ela não tivesse relatado as agressões sofridas antes.
- Estava acontecendo tanta coisa que eu nem sabia. O pessoal comentou que ele (Alan) até já tinha dado uma coronhada nela.
A mãe de Léia, Sônia Maria dos Santos, convive com a dor:
- Estou acabada. Um pedaço meu está junto com ela. A pior dor de uma mãe é perder um filho.
* Da Agência A Tarde

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