Moisés Naím - Quem maltrata mais você?
Há uma explosão de casos de comportamentos abusivos e corruptos por parte de diversas empresas
POR QUEM você se sente mais maltratado? Por sua operadora de telefonia celular? Seu banco? Pelas companhias aéreas? As relações entre as empresas e seus clientes estão carregadas de conflitos de interesses recobertos por uma capa de hipocrisia, publicidade e marketing.
Em última análise, as empresas querem arrancar o máximo possível de dinheiro de seus clientes, e estes querem pagar o mínimo possível.
Criar lealdade à marca e não perder clientes são as principais motivações que levam as empresas a tratar bem seus clientes. Nada de novo. Não obstante, elas insistem em nos convencer de que são nossas aliadas amáveis e que suas decisões sobre preços, qualidade e serviços também são guiadas pela ética.
As coisas não têm ido bem ultimamente para essa ideia. O Barclays, por exemplo, pagou uma multa de US$ 453 milhões por ter manipulado as taxas de juros interbancárias (a Libor, que alguns cínicos agora andam chamando, em inglês, de Lie-More, ou mente-mais).
"Não somos os únicos!", disse o presidente do Barclays antes de renunciar. Jamie Dimon, do JPMorgan, insiste em que os bancos não precisam de mais controles, já que seus valores éticos, seus controles próprios e a concorrência garantem que suas decisões estejam alinhadas com os interesses da sociedade.
Mas Dimon foi surpreendido por perdas ocultas de US$ 2 bilhões no banco (ou US$ 5 bilhões. Ou mais. Ainda não se sabe). Ele se disse indignado com a desonestidade dos banqueiros do JPMorgan (pequeno detalhe: são seus empregados).
Rajat Gupta, o ex-chefe da consultoria McKinsey & Co, acaba de ser condenado por ter passado a seu cúmplice informações secretas e valiosas sobre o Goldman Sachs, empresa da qual Gupta era diretor.
O HSBC também pediu desculpas: em 2007 e 2008, sua subsidiária no México enviou aos EUA US$ 7 bilhões supostamente depositados por cartéis do narcotráfico.
E por falar no México: de acordo com a OCDE, os preços excessivos cobrados pela América Móvil -empresa de telefonia de Carlos Slim- custaram aos consumidores desse país US$ 129 bilhões entre 2005 e 2009. Mas pagar a mais para fazer uma ligação não é tão perigoso quanto tomar um medicamento que, em vez de curar, mata.
A farmacêutica GlaxoSmithKline (GSK) acaba de ser multada em US$ 3 bilhões por promover medicamentos que causam efeitos negativos ou até a morte. O valor é alto, mas não tão alto quanto os US$ 8,2 bilhões que ela lucrou em 2011.
O que está acontecendo? Essa explosão de comportamentos empresariais abusivos e corruptos é algo novo ou simplesmente estamos mais bem informados? As duas coisas.
Mas o certo é que o princípio do "caveat emptor", frase que significa que é o comprador quem deve tomar todas as precauções, porque o risco é todo dele, e não de quem vende, é mais válido que nunca.
A enorme complexidade do comércio moderno coloca os consumidores em desvantagem, mas eles têm acesso a mais informação que nunca sobre o que compram e quem vende a eles. O Barclays e a GSK acabam de descobrir isso.
@moisesnaim
Tradução de CLARA ALLAIN
FOLHA DE S.PAULO
20/07/2012
20/07/2012
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