25 de julho de 2012

ESPER GEORGES KALLÁS, Oportunidades e ousadia contra a Aids


Há grupos mais vulneráveis. Até 15% dos homossexuais têm HIV, contra 0,5% do país. Tais grupos precisam de remédio preventivo, circuncisão. Só educar não basta
O HIV, vírus causador da AIDS, é responsável por uma epidemia com mais de 33 milhões de infectados no mundo. Apesar dos avanços e esforços, só no Brasil ainda mata mais de 12 mil pessoas por ano.
Três histórias exemplificam grupos de pessoas mais vulneráveis ao HIV.
João, casado e pai de família, visita casas de prostituição com frequência. Usa a camisinha com dificuldade, por não ter se acostumado com ela quando começou sua vida sexual. Infectou-se com o HIV e acabou transmitindo o vírus para sua esposa. A chance de se infectar seria bem menor caso João fosse circuncidado.
Gil, jovem homossexual, deixou sua pequena cidade para morar em São Paulo, após sofrer preconceito na escola e na família. Teve relações com vários parceiros nos últimos meses, algumas vezes sem preservativos. Infectou-se com o HIV, mas poderia ser protegido se estivesse usando uma pílula diária, método conhecido como profilaxia pré-exposição.
Ana é casada com José, que tem HIV e ainda não toma o coquetel de antirretrovirais. Por descuido, relacionaram-se algumas vezes sem camisinha e Ana pegou o vírus. Se José já usasse o coquetel, ela não teria se infectado.
Aproximadamente 0,5% dos brasileiros vivem com o HIV, metade sem saber. A frequência é muito maior em alguns grupos: cerca de 5% dos profissionais do sexo e até 15% dos homens que fazem sexo com homens já estão infectados em cidades como São Paulo.
Pesquisas indicam que a circuncisão voluntária, o uso de profilaxia pré-exposição e o tratamento como prevenção adicionam proteção de cerca de 60%, 42-73% e 96%, respectivamente.
É evidente que João, Gil e Ana não pegariam o HIV se fizessem uso da camisinha em todas as relações sexuais. Mas isso, infelizmente, não acontece.
As medidas já comprovadas e tradicionais de proteção -uso da camisinha, diagnóstico e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis, testes frequentes do HIV, redução do número de parceiros sexuais e aconselhamento para adoção de sexo seguro- são constantemente negligenciadas, a despeito de todas as campanhas educativas, especialmente nos grupos onde o vírus mais se espalha.
É preciso rediscutir a prevenção.
Enquanto uma vacina não chega, temos de lançar mão de novas estratégias para conter o avanço do HIV.
Alguns acreditam que as novas tecnologias podem estimular o descuido com a proteção e o abandono da camisinha. Os estudos com profilaxia pré-exposição, microbicidas vaginais e vacinas experimentais demonstram que isso não acontece. Elas têm servido, ao contrário, para trazer as pessoas ao sistema de saúde, onde podem ter melhor e mais constante acesso à educação e às medidas de proteção consagradas.
Em 1993, os remédios anti-HIV começavam a ser usados, mas ainda eram um privilégio para poucos. Durante a 9ª Conferência Internacional de Aids, em Berlim, em meio a uma multidão de cientistas e delegados de vários países que visitavam a área reservada aos estandes das grandes indústrias farmacêuticas, uma senhora chamava a atenção.
Agitando fitas verde-amarelas, seguida por um grupo de outros brasileiros, puxava o coro: "lower the prices!" (abaixem os preços!).
Era Lair Guerra de Macedo, piauiense que idealizou e coordenou o Programa Nacional de DST e Aids de 1985 a 1996. Sua ousadia foi abraçada por muitos e ajudou a posicionar o Brasil na vanguarda do combate à epidemia com o oferecimento do coquetel aos brasileiros.
Precisamos resgatar esta ousadia. As novas abordagens de prevenção são uma ótima oportunidade.
É utópico pensarmos em um mundo sem prostituição, com 100% de adesão ao uso da camisinha. É preconceituoso pensarmos em um mundo sem diversidade e hiperatividade sexual. Todos os avanços na prevenção devem, portanto, ser bem-vindos, comemorados e explorados.

Folha de S.Paulo,25/7/2012

Nenhum comentário:

Postar um comentário