Folha de S.Paulo, 25/7/2012
RIO DE JANEIRO - Nos EUA, o homem armado e de máscara entrou em um cinema, na estreia do novo "Batman". Atirou gás na plateia e, em meio à confusão, abriu fogo. Matou 12 e feriu 58. Nem todos perceberam de saída que era uma chacina -acharam que a bomba e o tiroteio faziam parte do lançamento do filme.
Nos primeiros 70 anos do cinema, até 1966, tal equívoco não seria possível. Sempre se matou na tela, mas era uma morte asséptica, de cinema: não se mostrava no mesmo take o tiro e a bala atingindo o alvo. Num take, o disparo; no outro, o sujeito levando a mão ao peito, estrebuchando e caindo morto. Sangue, então, nem pensar. Esse código era seguido também pelos gibis -raro o tiro e o alvo recebendo a bala no mesmo quadrinho.
Tudo isso se tornou passado quando, em "Uma Rajada de Balas" (1967), Warren Beatty disparou no rosto do homem que se enfiou pela janela do seu carro tentando impedir sua fuga -sequência logo superada pelo "balé de sangue" final, com Bonnie e Clyde metralhados com centenas de tiros em câmera lenta. Balé este que se tornaria o "Lago dos Cisnes" diante do morticínio de "Meu Ódio Será Tua Herança" (1969). E, a partir daí, não haveria mais limite.
O cinema logo se tornou uma extensão da indústria de explosivos. Com o incremento dos efeitos especiais e a avassaladora infantilização dos filmes, matar deixou de ter a carga dramática que caracterizava o cinema adulto. Fuzilar, explodir, reduzir a pó tornaram-se atos banais, levianos, quase um desenho animado.
Certo que chacinar inocentes será sempre uma decisão individual. Mas o farto cardápio de amostras no cinema, na TV, nos games, tablets e smartphones está levando à banalização do ato de matar. Daí o choque quando, sem aviso, a vida se apossa do faz de conta e se descobre que a morte não é um efeito especial.
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