31 de julho de 2012

Não é só crise de confiança, é a sobrevivência em jogo - JOSEPH E. STIGLITZ


 Como um condenado no corredor da morte, o euro teve novamente sua execução adiada no último minuto


Como um condenado no corredor da morte, o euro teve novamente sua execução adiada no último minuto. Sobreviverá um pouco mais. Os mercados estão celebrando, como fizeram após cada uma das quatro reuniões de cúpula anteriores dedicadas à eurocrise — até compreender que os problemas fundamentaisainda têm de ser enfrentados.

Houve boas notícias na última: os líderes europeus finalmente entenderam que a operação pela qual a Europa empresta aos bancos para salvar os Estados, e aos Estados para salvar os bancos, não funcionará. Da mesma forma, eles agora reconhecem que os fundos para resgate que dão ao novo emprestador prioridade sobre os demais credores pioram a posição dos investidores privados, que simplesmente demandarão taxas de juros ainda mais elevadas.

É profundamente perturbador que tenha levado tanto tempo para os líderes europeus verem algo tão óbvio (e evidente mais de uma década e meia atrás na crise da Ásia). Mas o que está faltando no acordo é ainda mais significativ do que o que está nele. Há um ano , os líderes reconheceram que a Grécia não poderia se recuperar sem crescimento e que ele não poderia ser conseguido apenas com austeridade. Ainda assim, pouco foi feito.

O que se propõe agora é a recapitalização do Banco Europeu de Investimentos, parte de um pacote de desenvolvimento de US$ 150 bilhões. Mas os políticos são bons em reempacotamento e, segundo algumas versões, o dinheiro novo é uma pequena fração desse montante, e mesmo aquele não entrará no sistema imediatamente. Em resumo: o remédio — pouco demais, tarde demais — se baseia em diagnóstico errado e em políticas econômicas erradas.

A esperança é que os mercados recompensarão a virtude, a austeridade. Mas os mercados são mais pragmáticos: se, como quase certamente é o caso, a austeridade enfraquece o crescimento econômico, e dessa forma solapa a capacidade de pagar a dívida, os juros não cairão. De fato, o investimento declinará — uma espiral descendente viciosa na qual Grécia e Espanha já embarcaram. Os eurobônus e um fundo solidário poderiam promover o crescimento e estabilizar as taxas de juros pagas pelos governos em crise. Taxas mais baixas liberariam fundos de forma que mesmo países com fortes limitações orçamentárias poderiam gastar mais em investimentos que impulsionem o crescimento.
As coisas são piores no setor bancário.

O sistema bancário de cada país é apoiado por seu próprio governo; se a capacidade dos governos de apoiar os bancos se reduz, assim também a confiança nos bancos. Até mesmo sistemas bancários bem administrados poderiam enfrentar problemas numa recessão da magnitude da grega e da espanhola; com o colapso da bolha imobiliária da Espanha, seus bancos correm risco ainda maior.

Em seu entusiamo por criar um “mercado comum”, os líderes europeus não reconheceram que os governos dão um subsídio implícito aos bancos. É a crença que, se surgirem problemas, o governo socorrerá os bancos, o que cria a confiança neles; e, quando alguns governos estão em posição muito mais forte que outros, o subsídio implícito é maior para esses países.

Na ausência de condições equitativas de concorrência, por que o dinheiro não foge dos países mais frágeis, procurando instituições financeiras nos mais fortes? De fato, é notável que não tenha havido mais fuga de capital. Os líderes europeus não reconhecem esse perigo crescente, que poderia ser facilmente evitado por uma garantia comum, que simultaneamente corrigiria a distorção do mercado decorrente do diferencial do subsídio implícito.

O euro é falho desde o início, mas estava claro que as consequências disto só se tornariam aparentes numa crise. Política e economicamente, foi criado com as melhores intenções. O princípio do mercado único supostamente promoveria eficiente alocação de capital e trabalho.

Mas detalhes são importantes. A competição tributária significa que o capital pode não ir para onde seu retorno social é mais alto, mas para onde ele consiga o melhor negócio. O subsídio implícito aos bancos significa que os bancos alemães estão em vantagem sobre os de outros países. Os trabalhadores podem deixar a Irlanda ou a Grécia não porque sua produtividade é mais baixa, mas porque, ao irem embora, podem escapar da dívida deixada por seus pais. O mandato do Banco Central Europeu é para assegurar a estabilidade dos preços, mas a inflação está longe de ser o mais importante problema macroeconômico da Europa hoje.

A Alemanha teme que, sem estrita supervisão de bancos e orçamentos, ela terá de abrir o cofre para seus vizinhos perdulários. Mas isto deixa escapar o ponto principal: Espanha e Irlanda e muitos outros países em dificuldades tinham superávit orçamentário antes da crise. Esta causou os déficits, e não o contrário.

Se esses países erraram, foi apenas, como a Alemanha hoje, por acreditarem excessivamente nos mercados. Então eles (como os EUA e muitos outros) permitiram que uma bolha crescesse sem controle. Se políticas eficazes forem implementadas e instituições melhores estabelecidas — o que não quer dizer apenas mais austeridade e melhor supervisão de bancos, orçamentos e déficits — e o crescimento restaurado, esses paísesserão capazes de pagar suas dívidas e não será necessário recorrer às garantias. Além disso, a Alemanha está no fio da navalha: se o euro ou as economias na periferia entrarem em colapso, os custospara o país serão elevados.

A Europa tem muitos pontos fortes. Sua fraqueza hoje reflete principalmente políticas e arranjos institucionais falhos. Isto pode ser mudado, mas apenas se suas fragilidades fundamentais forem reconhecidas — tarefa muito mais importante do que reformas estruturais nos países. Mesmo que estas tenham enfraquecido a competitividade e o crescimento em alguns países, não foi isso que desencadeou a crise. A abordagem temporizadora da Europa em relação à crise não funcionará  indefinidamente. Não é só a confiança na periferia europeia que está minguando. A sobrevivência mesma do euro está sendo posta em dúvida.

Joseph E. Stiglitz é prêmio Nobel de Economia e professor da Universidade de Colúmbia (EUA).

O GLOBO
31/07/2012

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