Crise da igreja, como da política, é a crescente brecha entre representantes e representados
Se os cardeais trancados na Capela Sistina levarem ao pé da letra todas as qualidades que um aluvião de analistas e palpiteiros exigiram do novo papa em comentários nos últimos 30 dias, jamais sairão de lá.
Para não transformar o elenco de qualidades em uma lista telefônica, digamos que, espremidos todos os palpites, o novo papa deveria ser, ao mesmo tempo, santo e executivo de multinacional.
Impossível, certo? Santo, por definição, tem a piedade no centro de sua vida e obra. Executivo ou é impiedoso ou não sobrevive na selva em que se transformou o capitalismo (ou sempre foi, decida você).
Portanto, se essas duas características forem mesmo as que os cardeais estão procurando, Roma afogará em fumaça negra.
Além disso, pede-se que o papa seja um bom comunicador. Na verdade, é uma maneira pudica de dizer que deve ser um "pop star" como o foi João Paulo 2º.
Meu palpite (também tenho direito, não?): o problema da igreja não é de comunicação nem João Paulo 2º foi realmente ouvido pelos fiéis.
Conto um microepisódio vivido em Roma, no período que antecedeu o sepultamento de Karol Wojtyla e, por extensão, o início do conclave. Grande número de poloneses invadiu Roma na época. O hotel em que me hospedei ficava muito perto de uma espécie de albergue que, em certo momento, foi monopolizado por jovens poloneses, de ambos os sexos.
Em uma dada manhã em que passei cedinho por lá, a caminho do Vaticano, vi camisinhas jogadas na porta do albergue. Não era um número que denunciasse uma tremenda esbórnia, mas era o suficiente para deduzir que os jovens poloneses adoravam o "seu" papa, mas não faziam exatamente o que ele pregava.
Alguém aí acha que os jovens brasileiros deixarão de fazer sexo, com ou sem camisinha, se d. Odilo for eleito papa? O problema, acho eu, não é portanto de quem transmite a mensagem. Se ela fosse fraca, a Igreja Católica Apostólica Romana não teria 1,2 bilhão de aderentes depois de 2.000 anos de muitas guerras e disputas de poder, cruentas e incruentas, em que a igreja foi o centro.
O problema parece ser mais de desconexão entre quem transmite a palavra e quem a recebe e quer segui-la, mas não se sente confortável com algumas de suas interpretações.
No fundo, é um problema parecido ao que ocorre na política mundana: em toda parte, há uma distância cada vez maior entre representantes e representados, como se está vendo agora mesmo no Brasil, com as eleições para as presidências das duas casas do Congresso e de algumas comissões legislativas.
É mera coincidência, mas significativa, o fato de que, dias depois da renúncia de Bento 16, o eleitorado italiano tenha decidido chutar o pau da barraca e transformar em partido mais votado um "outsider" (Beppe Grillo) que quer mandar para casa todos os velhos políticos.
A igreja não chegou nem perto de uma situação limite, mas parece precisar de líder que ouça não apenas o Espírito Santo, mas os espíritos não tão santos que nela acreditam.
Folha de S.Paulo, 12/3/2013
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