04 de março de 2013 | 2h 09
NOVA YORK - O Estado de S.Paulo
Dias dedicados a um sexo ou grupo étnico me inspiram desconfiança imediata, sem falar nos inventados pelo comércio como o dia dos pais, das mães e da criança.
O Dia Internacional da Mulher começou, de fato, nos Estados Unidos, em 1909, como o Dia Internacional da Mulher Trabalhadora e foi inspirado por socialistas, num tempo em que a Constituição ainda não concedia às americanas o direito ao voto.
Há uma semana, me perguntaram se eu gostaria de escrever algo celebratório sobre o Dia Internacional da Mulher e respondi, sem hesitar, que teria que escrever sobre violência. Depois é que fui me dar conta de que violência é o tema escolhido pela ONU para o próximo dia 8 de março: Promessa é Promessa: Tempo de Ação para Acabar com a Violência Contra a Mulher.
Tempo de inação, diriam 31 senadores republicanos. 31 é o número de senadores em Washington que votaram contra a renovação do Ato da Violência Contra a Mulher, instituído nos Estados Unidos em 1994 para combater a violência doméstica e renovado continuamente desde então. Entre os muitos espetáculos lamentáveis que assistimos no Congresso americano, desde 2008, este foi particularmente enfurecedor. A marcha rumo ao passado continua recebendo adesões. Além de querer reassumir o controle da reprodução e do corpo da mulher, os extremistas de direita acham que uma mulher lésbica espancada tem menos direitos do que a heterossexual que apanha. E que uma mulher indígena - uma em cada três serão estupradas ao longo da vida - deve ser problema de sua tribo e não precisa de proteção do sistema penal americano.
Sei que a imagem da violência contra a mulher, neste retrógrado ano de 2013, é a estudante de medicina indiana estuprada e morta por uma gangue de animais num ônibus em Nova Délhi ou as 3 irmãs, de 7 a 11 anos, estupradas e mortas em Maharashtra, no último dia 16. Ou ainda a paquistanesa Malala Yousufzai, 15 anos, quase morta pelos talibãs pelo crime de promover a educação de meninas, agora uma candidata ao Prêmio Nobel da Paz deste ano.
Mas, como moro numa metrópole que foi o centro da tal modernidade no século 20, não dá para escapar da perplexidade de enfrentar o século 21 com o desfile de políticos que pronunciam despautérios como "O estupro legítimo não provoca gravidez".
As risadinhas que saudaram o neandertal Seth Macfarlane, convocado como mestre de cerimônias dos Oscars deste ano, confesso, me provocam um frio na espinha. A distância entre o trágico ônibus de Nova Délhi e a bolha de misoginia onde vive MacFarlane, sinto dizer, é menor do que gostaríamos de imaginar. Esta forma de misoginia, numa sociedade que tem recursos institucionais para combatê-la, triunfa quando contamina a cultura popular.
No planeta de Seth MacFarlane, a ideia de número musical para uma plateia de bilhões foi Nós Vimos Seus Peitos, reduzindo todas as mulheres que trabalham no cinema ao exibicionismo mamário analisado num vestiário de estádio esportivo. Sua hostilidade contra latinos, idosos, qualquer grupo que não caiba no seu mundo que tem a expansão de um armário embutido, legitimada pela academia de Hollywood, só pode provocar asco.
Assim, é com muita sobriedade que não celebro o dia escolhido no calendário para a mulher. Ainda precisamos, todo ano, de 365 dias de lucidez.
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