Ícones do capitalismo global, bilionários do fundo 3G querem deixar um legado também no mundo das instituições sem fins lucrativos
11 de março de 2013 | 2h 10
MELINA COSTA - O Estado de S.Paulo
Em suas facetas mais conhecidas, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira são ícones do capitalismo global. O trio, hoje reunido na empresa de investimentos 3G, forjou uma agressiva cultura de gestão e comanda a maior cervejaria do mundo, a Anheuser-Busch InBev, além de símbolos americanos como as lanchonetes Burger King e a fabricante de alimentos Heinz. No mês passado, a revista Forbes classificou Lemann como o homem mais rico do Brasil, à frente de nomes como Eike Batista e Joseph Safra (Telles e Sicupira também estão na lista dos bilionários).
A face menos óbvia dessa turma está na filantropia. Cada um dos investidores tem uma fundação que atua em áreas como educação e gestão pública. Jorge Paulo Lemann criou a Fundação Lemann, que oferece bolsas de estudo no exterior para talentos brasileiros e cursos para secretários municipais de educação, diretores e professores de escolas públicas. Marcel Telles fundou a Ismart, que seleciona alunos-destaque de escolas públicas para cursar o ensino médio em colégios particulares. Sicupira, por sua vez, criou a Brava, que apoia iniciativas de melhoria da gestão pública. Juntos, os três ainda estão à frente da Fundação Estudar, voltada ao desenvolvimento de lideranças.
O ponto comum entre as organizações é o esforço para trazer as obsessões clássicas do trio - como meritocracia e a busca incansável por resultados - para o mundo aparentemente "paz e amor" das instituições sem fins lucrativos. "Jorge Paulo Lemann quer deixar um legado na filantropia assim como deixou no setor privado", diz Denis Mizne, diretor executivo da Fundação Lemann.
Mais antiga das entidades do grupo, a Fundação Estudar oferece bolsas para cursos de graduação e pós-graduação no Brasil e no exterior. Em 22 anos, a instituição já apoiou mais de 500 pessoas, oferecendo mensalidades cujo valor varia de acordo com o caso (alunos de faculdades públicas podem receber apenas uma ajuda de custo, por exemplo).
"A maior vantagem de ser selecionado não é a bolsa em si, mas a rede de contatos a que essas pessoas têm acesso", diz Renata Moraes, diretora da Estudar. Ser aceito pela fundação significa entrar para o mundo de alguns dos mais importantes homens e mulheres de negócios do País e para o círculo de funcionários públicos do primeiro escalão. Bernardo Hees, presidente mundial do Burger King, e João Castro Neves, presidente da Ambev, são nomes que figuram na lista dos ex-bolsistas.
Depois de passar pela Estudar, os bolsistas se tornam mentores dos novos estudantes, que, além de receber essa consultoria, participam de programas de colocação profissional e desenvolvimento pessoal.
Vale-conversa. Como uma espécie de bônus, os bolsistas ganham também um "vale-conversa" com Lemann, Telles e Sicupira. "É uma promessa de disponibilidade. Muitos esperam anos para usar a oportunidade na hora certa", diz Renata.
O caso de Thiago Feijão é exemplar. Estudante do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), o garoto de 23 anos já havia se tornado presidente de uma ONG e criado outras duas quando foi selecionado pelo Estudar. Desde então, conta com a ajuda de executivos como Rodrigo Anunciato, ex-sócio do fundo Tarpon e sócio-fundador da Cox Capital Management, e Igor Lima, vice-presidente de operações da Kroton, uma das maiores redes de ensino do mundo.
Sob orientação dos mentores, Feijão criou a QMágico, uma startup que já tem 17 funcionários. A empresa criou uma ferramenta para medir o desempenho de alunos por meio de exercícios no computador. Recentemente, a QMágico recebeu o aporte de um fundo de investimentos (a fonte dos recursos não foi divulgada). "Logo precisarei usar meu 'vale-conversa'. Tenho que descobrir como realizar meu sonho mais rapidamente", diz Feijão, em uma demonstração do modo 3G de pensar.
Por trás do apoio a jovens como Feijão, estão metas nada modestas. "Queremos criar uma rede de pessoas talentosas que ajude a transformar o Brasil", diz Mizne, da Fundação Lemann. "Nosso objetivo é ter 500 pessoas na elite brasileira até 2016, já temos 96". Os funcionários da organização têm remuneração variável de acordo com o desempenho e trabalham sob um sistema de gestão desenvolvido por Vicente Falconi, o maior guru brasileiro na área.
Como estratégia para levar seus escolhidos o mais longe possível, a fundação Lemann realiza anualmente um road show. Neste ano, os bolsistas vão conhecer Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre Hohagen, vice-presidente do Facebook para a América Latina, e Aloizio Mercadante, ministro da Educação. No ano passado, estiveram na lista Fernando Henrique Cardoso, Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, e Guilherme Leal, fundador da Natura. Não raro, alguns bolsistas já saem desses encontros com propostas de emprego.
Proximidade. Apesar de não participarem do dia a dia das organizações, os três investidores mantêm-se próximos das equipes. Lemann, por exemplo, conversa semanalmente com Mizne e visita sua fundação praticamente todos os meses. Sua esposa, Susanna Lemann, e três filhos participam das reuniões de conselho e da gestão de projetos específicos. Marcel Telles lidera as reuniões de conselho da Ismart. E os três investidores do 3G participam da etapa final de seleção dos bolsistas da Estudar.
Boa parte dos recursos das fundações também vem do trio. Lemann, por exemplo, é responsável por 90% do orçamento de sua fundação. Os 10% restantes têm como origem empresas como Itaú BBA, Telefônica e famílias doadoras, como a de Abilio Diniz. Telles contribui com 55% dos investimentos do Ismart. A outra parte vem, principalmente, de escolas particulares parceiras. A exceção é a Estudar. Cerca de 80% do orçamento de R$ 4 milhões vêm de empresas, em uma tentativa de perenizar a organização - outra obsessão do trio, que quer estender sua marca para além das listas de bilionários.
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