Folha de S.Paulo, 2/3/2013
A morte de Stéphane Hessel (1917-2013), pouco depois da eleição italiana de domingo passado, pareceu um amargo comentário do destino. Como se quisesse expressar que, entre escolher o comediante ou Berlusconi, era melhor calar-se, o autor do manifesto que está no título desta coluna saiu de cena na madrugada de quarta-feira, em Paris.
O resultado das urnas na Itália exemplifica o esgotamento dos partidos de que falava Hessel. Embora tenha obtido a maioria relativa dos votos, a centro-esquerda mostrou representar só 1/3 do eleitorado, quase o mesmo que o ex-premiê de centro-direita, cercado de acusações, e pouco mais que o Movimento Cinco Estrelas, o qual, comandado pelo cômico Beppe Grillo, tem por norte repudiar os políticos tradicionais e apresentou a maior taxa de crescimento.
Em outras palavras, um país dividido, sem maioria governativa, no qual aumenta a rejeição aos políticos em geral, quaisquer que sejam as suas tendências ideológicas. Foi para se contrapor ao desencanto que tende a se espalhar pelo continente das luzes que o veterano da Resistência Francesa escreveu o panfleto adotado pelos "indignados" espanhóis. Trata-se de um veemente chamado à mobilização para impedir a perda das conquistas obtidas depois da Segunda Guerra Mundial.
Hessel compôs, aos 93 anos, o livreto que coloca os acontecimentos contemporâneos em perspectiva histórica. Olhados desde esse ponto de vista, percebe-se que o sentido das medidas tomadas após a derrota do fascismo ia além da equiparação de direitos -o que já não seria pouco. O verdadeiro espírito que animava os vencedores de 1945 era o de "emancipar-se das ameaças que o totalitarismo fazia pesar sobre a humanidade". Daí a pretensão de universalidade dos direitos humanos.
Ao lembrar, nesse contexto, o artigo 22 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) -"Todo homem tem direito (...) à realização (...) dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade"-, Hessel indicava que a disputa existente hoje na Europa sobre o futuro da justiça social está, em última análise, vinculada à preservação da liberdade. Não a liberdade de ter sempre mais, mas aquela que Hegel via progredir etapa por etapa, por meio dos choques sucessivos da história, lembra Hessel. A liberdade política, a ausência de dominação, poder-se-ia dizer.
Apesar de declarar-se otimista quanto ao desfecho do embate, Hessel fez questão de citar a visão oposta, elaborada por um amigo de seu pai, o filósofo Walter Benjamin. Para Benjamin, a história podia ser lida como a sucessão irresistível de catástrofes. É para desmenti-lo, em parte concordando com ele, que somos chamados à indignação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário