7 de dezembro de 2011

Governo federal vai padronizar dados sobre violência

União vai criar sistema nacional de estatísticas criminais e obrigar Estados a fornecer informações periodicamente

Quem não enviar dados não terá repasses da segurança; meta é direcionar políticas públicas e recursos 
FOLHA DE SÃO PAULO - ROGÉRIO PAGNAN
DE SÃO PAULO
O governo federal implantará um sistema nacional de estatísticas criminais e tornará obrigatório aos Estados o seu abastecimento periódico.
A unidade da federação que se recusar a fornecer seus dados, ou informá-los de maneira incorreta, terá bloqueado o recebimento de verbas federais de segurança, estimadas em R$ 1 bilhão ao ano.
Hoje, o país não tem um banco confiável. Parte dos Estados se recusa a repassar informações criminais. Não há, também, uma padronização.
Conforme a Folha revelou em novembro, a falta de um modelo cria distorções nos dados repassados à população.
Pelas estatísticas oficiais, por exemplo, Minas não teve um só assalto seguido de morte (latrocínio) nem os policiais do Paraná mataram alguém. E, em São Paulo, ninguém morreu dias após ser ferido. Dificilmente isso não ocorreu.
De acordo com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, essa falta de informações precisas dificulta o planejamento de ações de governo e o direcionamento de recursos aos Estados.
"Essa é a única forma [bloquear o envio de recursos] que vemos para podermos construir um sistema nacional", disse o ministro à Folha.
A medida provisória para implantar o sistema deve ser assinada hoje pela presidente Dilma. O programa deve ter início ainda neste ano.
A União deve fornecer equipamentos e capacitar funcionários nos Estados sobre os procedimentos de envio.
Além de estatísticas criminais, o sistema unificado deverá conter os efetivos das polícias, dados prisionais e informações ligadas a drogas.
INFORMAÇÕES
A padronização do abastecimento de dados, ainda a ser definida, deve seguir o modelo do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Assim, os Estados precisarão informar separadamente os homicídios dolosos, os latrocínios, as lesões corporais seguidas de morte e, ainda, as mortes provocadas por policiais -fora ou em serviço.
Para Renato Sérgio de Lima, da ONG, a implantação desse sistema será fundamental por dois motivos: melhorar os investimentos dos governos na área e, ainda, dar transparência à população do trabalho da polícia.


Ter boas estatísticas é essencial para reprimir e prevenir crimes
LUIS FLAVIO SAPORI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Produzir e publicar estatísticas criminais confiáveis é imprescindível à boa governança da segurança pública.
Constitui não só requisito de transparência e prestação de contas, mas uma ferramenta para gestão da repressão e prevenção do crime.
Há no país resistência dos gestores do setor -secretários estaduais de Segurança Pública e comandos das polícias Civil e Militar- em tratar os dados criminais com seriedade e competência.
Não é casual que políticas contra o crime se baseiem no gerenciamento de crise, com ações improvisadas. Planejamento, avaliação de resultados e o gasto eficiente dos recursos não têm sido usuais no combate à criminalidade.
A história das políticas de segurança pública nas duas últimas décadas explicita uma série de intervenções governamentais espasmódicas, reativas, direcionadas à solução imediata de crises.
E quando menciono crises refiro-me a quaisquer eventos na dinâmica do fenômeno criminoso ou do aparato de justiça criminal que tendem a ser publicamente percebidos como problemas, assim categorizados pelos meios de comunicação, e que, portanto, são merecedores de respostas imediatas das autoridades do Estado.
Neste ponto, deve-se reconhecer que os meios de comunicação de massa têm papel decisivo na definição do que é uma crise da ordem pública e da pauta de prioridades em possíveis reformas legais e organizacionais.
Dado esse contexto social, é "compreensível" a inexistência de uma base confiável de dados criminais de âmbito nacional. Estamos na "idade da pedra" em termos de gestão da segurança pública.
Qualquer iniciativa do governo federal que venha a suscitar avanços nesse sentido é muito bem-vinda. Sem a provocação e a coordenação do Ministério da Justiça, é pouco provável que seja construído um sistema nacional de estatística criminal.
Não podemos contar com a boa vontade das autoridades estaduais da segurança pública. A depender delas, a situação fica como está, conforme constatou-se na reação que manifestaram na divulgação do Anuário Estatístico Criminal no mês passado.

LUIS FLAVIO SAPORI é doutor em sociologia, ex-secretário adjunto de Segurança Pública de MG, professor de ciências sociais e coordenador do centro de pesquisas em segurança pública da PUC Minas 

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