17 de dezembro de 2011

Mas os estudantes chineses são felizes?


Gustavo Ioschpe

Alunos durante exercício de artes maciais em escola na cidade de Nanjing, na província chinesa de Jiangsu

Alunos durante exercício de artes maciais em escola na cidade de Nanjing, na província chinesa de Jiangsu (Sean Yong/Reuters)
“Ser feliz” simplesmente não é a prioridade da vida das pessoas. Não é o objetivo, mas sim algo que ocorre quando elas estão fazendo aquilo que lhes é mais relevante"
Imagino que, ao ler sobre carga de trabalho e pressão vivida pelos alunos chineses, você tenha se perguntado se eles são felizes. Se o custo vale a pena, se não sofrem muito, se não estão sacrificando sua infância. Admito que eu, quando ouvia os relatos dos adolescentes que não bebem, não dançam e não namoram ficava me perguntando: mas então qual é a válvula de escape? Como eles não enlouquecem?
Adoraria poder dizer que vi uma juventude estressada e sorumbática, como se a nossa joie de vivre pudesse nos redimir do crime que cometemos contra nossas crianças diariamente, ao deixa-las na ignorância. Mas estaria mentindo. Não vi grandes diferenças aparentes de bem-estar mental entre os jovens dos dois países. Nos intervalos de aula e recreios, as crianças de lá também fazem bagunça, correm, jogam bola, se divertem. Os meninos tiram sarro de alguém do grupo, as meninas se congregam e parecem fofocar.
Indicadores mais objetivos confirmam a impressão. Segundo os dados mais recentes da OMS, a taxa de suicídio juvenil (entre 15 e 24 anos) na China, de 6,9 casos por 100 mil habitantes, é parecida com a brasileira (5,2), a francesa (6,5) e alemã (5,9). È bem menor que a americana (10), sueca (11) e japonesa (15) (1). Um estudo feito esse ano em 18 países com 89 mil pessoas sobre prevalência de depressão também mostrou um quadro benigno: a China teve a taxa mais baixa (12%), bem inferior à brasileira (28%), americana (31%), japonesa, italiana, alemã e israelense (todos cerca de 22%) (2). Pode olhar pra consumo de álcool , outro indicador de desajuste social, e o quadro será o mesmo: o consumo por adulto chinês é mais baixo que o brasileiro, americano e de todos os países da Europa (3)
Como isso é possível? Minha hipótese é de que o convívio com a família e a comunidade, extremamente intenso na China, proteja seus habitantes. Mais e mais pesquisas sobre o assunto vêm mostrando que interações sociais, e não dinheiro ou status, é o que fazem uma pessoa feliz. Um estudo observou que encontrar um grupo de amigos uma vez por mês tem o mesmo efeito sobre a felicidade que dobrar de renda (4). Na China, mesmo em grandes cidades como Xangai, é comum você ver grupos de pessoas fazendo tai-chi-chuan pela manhã ou fazendo danças tradicionais à noite, na rua.
Finalmente, suspeito que haja aí uma diferença cultural significativa. Me pareceu que “ser feliz” simplesmente não é a prioridade da vida das pessoas. Não é o objetivo, mas sim algo que ocorre quando elas estão fazendo aquilo que lhes é mais relevante. E mesmo as pessoas com quem conversei que estão focadas na construção de uma carreira, ganhar dinheiro etc., também costumam manifestar alguma preocupação com o país, a coletividade. O Dr. Xu Juanmin, mencionado no capítulo 1, é um caso típico. Falou de modo prolixo sobre sua vida, contando detalhes íntimos sobre sua criação, sua família. Só ficou sem palavras quando lhe fiz uma pergunta: como define um bom pai? Mencionou quatro itens. Fazer o filho feliz não estava entre elas. “Espero que meu filho seja um dragão”,disse ele, usando como metáfora o animal que na mitologia chinesa representa poder e excelência.

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