Gustavo Ioschpe
Alunos durante exercício de artes maciais em escola na cidade de Nanjing, na província chinesa de Jiangsu (Sean Yong/Reuters)
“Ser feliz” simplesmente não é a prioridade da vida das pessoas. Não é o objetivo, mas sim algo que ocorre quando elas estão fazendo aquilo que lhes é mais relevante"
Imagino que, ao ler sobre carga de trabalho e pressão vivida pelos alunos chineses, você tenha se perguntado se eles são felizes. Se o custo vale a pena, se não sofrem muito, se não estão sacrificando sua infância. Admito que eu, quando ouvia os relatos dos adolescentes que não bebem, não dançam e não namoram ficava me perguntando: mas então qual é a válvula de escape? Como eles não enlouquecem?
Adoraria poder dizer que vi uma juventude estressada e sorumbática, como se a nossa joie de vivre pudesse nos redimir do crime que cometemos contra nossas crianças diariamente, ao deixa-las na ignorância. Mas estaria mentindo. Não vi grandes diferenças aparentes de bem-estar mental entre os jovens dos dois países. Nos intervalos de aula e recreios, as crianças de lá também fazem bagunça, correm, jogam bola, se divertem. Os meninos tiram sarro de alguém do grupo, as meninas se congregam e parecem fofocar.
Indicadores mais objetivos confirmam a impressão. Segundo os dados mais recentes da OMS, a taxa de suicídio juvenil (entre 15 e 24 anos) na China, de 6,9 casos por 100 mil habitantes, é parecida com a brasileira (5,2), a francesa (6,5) e alemã (5,9). È bem menor que a americana (10), sueca (11) e japonesa (15) (1). Um estudo feito esse ano em 18 países com 89 mil pessoas sobre prevalência de depressão também mostrou um quadro benigno: a China teve a taxa mais baixa (12%), bem inferior à brasileira (28%), americana (31%), japonesa, italiana, alemã e israelense (todos cerca de 22%) (2). Pode olhar pra consumo de álcool , outro indicador de desajuste social, e o quadro será o mesmo: o consumo por adulto chinês é mais baixo que o brasileiro, americano e de todos os países da Europa (3)
Como isso é possível? Minha hipótese é de que o convívio com a família e a comunidade, extremamente intenso na China, proteja seus habitantes. Mais e mais pesquisas sobre o assunto vêm mostrando que interações sociais, e não dinheiro ou status, é o que fazem uma pessoa feliz. Um estudo observou que encontrar um grupo de amigos uma vez por mês tem o mesmo efeito sobre a felicidade que dobrar de renda (4). Na China, mesmo em grandes cidades como Xangai, é comum você ver grupos de pessoas fazendo tai-chi-chuan pela manhã ou fazendo danças tradicionais à noite, na rua.
Finalmente, suspeito que haja aí uma diferença cultural significativa. Me pareceu que “ser feliz” simplesmente não é a prioridade da vida das pessoas. Não é o objetivo, mas sim algo que ocorre quando elas estão fazendo aquilo que lhes é mais relevante. E mesmo as pessoas com quem conversei que estão focadas na construção de uma carreira, ganhar dinheiro etc., também costumam manifestar alguma preocupação com o país, a coletividade. O Dr. Xu Juanmin, mencionado no capítulo 1, é um caso típico. Falou de modo prolixo sobre sua vida, contando detalhes íntimos sobre sua criação, sua família. Só ficou sem palavras quando lhe fiz uma pergunta: como define um bom pai? Mencionou quatro itens. Fazer o filho feliz não estava entre elas. “Espero que meu filho seja um dragão”,disse ele, usando como metáfora o animal que na mitologia chinesa representa poder e excelência.
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