26 de março de 2012

Quando a tecnologia é invasiva


China vigia com ajuda de empresa americana


O receio é que a vigilância por vídeo possa levar a abusos de direitos humanos

Por ANDREW JACOBS e PENN BULLOCK
Pequim, The New York Times

O governo chinês está levando adiante um esforço de bilhões de dólares para cobrir o país de câmeras de vigilância e pelo menos uma empresa americana deve se beneficiar disso: a Bain Capital, firma de "private equity" fundada por Mitt Romney, um dos principais pré-candidatos republicanos na corrida à Presidência dos Estados Unidos.
Em dezembro, um fundo administrado pela Bain na qual um "blind trust" (um fundo de investimentos que administra bens sem que os proprietários destes participem das decisões) da família Romney possui interesses comprou a divisão de vigilância por vídeo de uma companhia chinesa que afirma ser a maior fornecedora do programa Safe Cities (Cidades Seguras), do governo. Trata-se de um sistema avançado de monitoramento que permite às autoridades vigiar campi universitários, hospitais, mesquitas e cinemas a partir de postos de comando centralizados.
A empresa pertencente à Bain, Uniview Technologies, produz o que descreve como câmeras "infravermelhas antimotim" e softwares que possibilitam que policiais em jurisdições diferentes compartilhem imagens em tempo real por meio da internet. Alguns projetos anteriores incluíram um centro de comando de emergência no Tibete que "garante uma base sólida para a manutenção da estabilidade social e a proteção da vida pacífica do povo", segundo o site na internet da Uniview.
Defensores dos direitos humanos dizem que na China as câmeras também são usadas para monitorar e intimidar dissidentes políticos e religiosos. "Há câmeras de vídeo em toda parte em nosso mosteiro e a única finalidade delas é nos meter medo", disse o monge budista tibetano Loksag, na província de Gansu. Loksag contou que as câmeras ajudaram as autoridades a identificar e prender quase 200 monges que participaram de um protesto em seu mosteiro em 2008.
Mitt Romney não participa das operações da Bain desde 1999 e não tem tido nenhuma voz com relação ao investimento na China. Em comunicado à imprensa, R. Bradford Malt, administrador dos fundos dos Romney, observou que investiu ativos da família no fundo antes de o fundo ter comprado a Uniview. Ele falou que os Romney não participam da gestão de seus investimentos. Afirmou, também, que não tem controle sobre as aplicações que o fundo asiático escolhe fazer. Em sua declaração de renda, em agosto passado, Romney informou que ele e sua mulher ganharam no mínimo US$5,6 milhões com ativos da Bain aplicados em "blind trusts" e contas de aposentadoria.
A decisão da Bain de atuar no setor de vigilância chinês, em crescimento acelerado, levanta dúvidas quanto ao papel direto exercido por corporações americanas em equipar governos autoritários com tecnologias que podem ser usadas para reprimir seus cidadãos.
Ela chega também em um momento delicado para Romney, que em vários momentos pediu a adoção de uma linha dura contra a repressão que o governo chinês exerce contra a liberdade religiosa e dissensão política.
Como foi o caso com negócios anteriores envolvendo outras companhias americanas, críticos argumentam que a aquisição da Uniview pela Bain viola o espírito, mesmo que não necessariamente o texto, das sanções americanas impostas a Pequim após a repressão mortífera aos protestos na praça Tienanmen em 1989. Essas regras, escritas duas décadas atrás, proíbem corporações americanas de exportar à China produtos de "controle de criminalidade", como os que processam impressões digitais, produzem cartões de identificação com foto ou empregam tecnologia de visão noturna.
A maior parte dos equipamentos de vigilância por vídeo não é abrangida pelas sanções, embora um grupo canadense de defesa dos direitos humanos tenha denunciado em 2001 que as forças de segurança chinesas usaram câmeras de vídeo de fabricação ocidental para ajudar a identificar e prender manifestantes da praça Tienanmen.
Nos anos recentes, várias companhias ocidentais -incluindo a Honeywell, General Electric, IBM e United Technologies- vêm sendo criticadas por venderem tecnologia de vigilância ao governo chinês.
Em 2007, a Yahoo resolveu por acordo extrajudicial um processo em que era acusada de ter entregue às autoridades os e-mails de um jornalista que mais tarde foi sentenciado a dez anos de prisão por enviar um e-mail que, segundo a promotoria, continha segredos de Estado.
A Bain defendeu sua aquisição da Uniview, destacando que os produtos da empresa são anunciados como instrumentos de controle da criminalidade, não de repressão política.
Adam Segal, membro do Council on Foreign Relations, disse que as empresas americanas não podem fugir da responsabilidade pelo modo como sua tecnologia é usada, especialmente na esteira das controvérsias recentes em torno das vendas de sistemas ocidentais de filtragem da internet a governantes autocráticos do mundo árabe.
As cidades chinesas estão se apressando a construir sistemas de vigilância. De acordo com a mídia estatal, Chongqing, na província de Sichuan, está gastando US$ 4,2 bilhões com uma rede de 500 mil câmeras. A província de Guangdong, centro manufatureiro vizinho de Hong Kong, está instalando 1 milhão de câmeras. Em Pequim, o governo municipal pretende instalar câmeras em todos os locais de entretenimento, multiplicando a rede de 300 mil câmeras instaladas na capital para as Olimpíadas de 2008.
Ao casar a internet, os celulares e a vigilância por vídeo, o governo quer criar um sistema de monitoramente onisciente, disse Nicholas Bequelin, pesquisador da entidade Human Rights Watch em Hong Kong. "Quando o assunto é vigilância, a China é bastante franca quanto a suas ambições totalitárias", disse ele.
A advogada de direitos humanos Li Tiantian, de Xangai, contou que a polícia usou imagens suas para manipulá-la durante os três meses que passou ilegalmente detida no ano passado. O vídeo mostrava ela entrando no hotel na companhia de homens que não eram seu namorado. Nos interrogatórios, disse a advogada, os policiais ironizavam sua vida sexual. "A escala da ingerência na vida privada das pessoas não tem precedentes", disse Li.
Reportagem de Andrew Jacobs, de Pequim, Penn Bullock, de Nova York, e Nicholas Confessore, de Nova York

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