1 de julho de 2012

Stanislas Dehaene: O processo de alfabetização muda o cérebro


Especialista francês faz seminário no Rio que será transmitido para o Recife
Publicado em 30/06/2012, às 14h00 Do JC Online
Publicado em 01/07/2012 Do JC,

Stanislas Dehaene critica método de alfabetização brasileiro / Divulgação
Stanislas Dehaene critica método de alfabetização brasileiro
Divulgação

O Rio recebe, na sexta-feira, o matemático e neurólogo Stanislas Dehaene, diretor da Unidade de Neuroimagem Cognitiva do Collège de France e uma das maiores autoridades mundiais no estudo do cérebro. Dehaene ministrará o seminário Os Neurônios da Leitura, promovido pelo Instituto Alfa e Beto. Dehaene concedeu entrevista por e-mail ao JC. Em seus estudos, ele refuta o método de alfabetização usado no Brasil. O evento será retransmitido ao vivo em videoconferência para oito capitais, entre elas o Recife. Na capital pernambucana, o encontro, aberto, ocorrerá no auditório do antigo prédio da FIR, na Madalena. As inscrições podem ser feitas pelo e-mailmicheline@alfaebeto.org.br.
JORNAL DO COMMERCIO – Suas pesquisas permitem concluir que algumas estratégias e métodos de alfabetização são mais eficientes do que outros? O que o senhor pode dizer sobre o construtivismo, principal inspiração das políticas de alfabetização adotadas no Brasil?
STANISLAS DEHAENE – As pesquisas realizadas nos últimos 30 anos pela minha equipe, com a ajuda de técnicas usadas pela neurociência, refutam o princípio construtivista, segundo o qual a criança testa hipóteses para acabar descobrindo, por si mesma, os mecanismos da leitura. Ao contrário, as evidências indicam que a alfabetização é muito mais rápida quando se ensina explicitamente quatro pontos básicos. Primeiro, o fato de que as letras representam diferentes sons. É preciso ajudar a criança a identificar os diferentes sons que compõem uma palavra para depois fazê-la compreender que as letras representam esses sons. O segundo elemento é sobre a combinação das letras ou dos grafemas. A criança precisa aprender a forma de juntar letras para produzir o som. O terceiro aspecto é a direção da leitura, que deve ser da esquerda para a direita: lemos li, e não il. Por último, a criança deve ser instruída para perceber que uma mesma forma gráfica pode representar letras e sons diferentes dependendo da posição. 
JC – Aprender a ler e escrever requer o desenvolvimento de habilidades cognitivas diferentes daquelas necessárias para se compreender um texto?
DEHAENE – Minhas pesquisas tratam apenas da aquisição da leitura, do processo de aprendizagem do código alfabético. A compreensão do que se lê requer a mobilização de competências cognitivas muito mais complexas do que as envolvidas no processo da alfabetização. Para compreender não é necessário saber ler. Os adultos analfabetos que estudam no Brasil entendem muita coisa, apenas não aprenderam a ler. A alfabetização é uma condição necessária, mas não suficiente para a compreensão.
JC – Há alguma idade melhor que outras para se alfabetizar? Existe uma maneira objetiva de se avaliar o nível de alfabetização de uma criança?
DEHAENE – Uma criança deve começar a se alfabetizar aos 6 anos e esse processo estará concluído em um ano. Em alguns idiomas, porém, o processo pode demorar mais porque o tempo necessário para se alfabetizar uma criança está muito relacionado à transparência do código alfabético da língua que ela fala, ou seja, se a correspondência entre som e letra é maior ou menor. Quanto mais direta a relação, mais rápida a alfabetização. No Brasil apresentarei um quadro que compara os resultados da capacidade de leitura de alunos de diferentes países. O teste utiliza palavras e pseudopalavras, que são palavras que poderiam existir, mas não são usadas. No Brasil, por exemplo, a palavra vuvuzela só foi conhecida na Copa do Mundo da África do Sul, mas logo todas as pessoas alfabetizadas foram capazes de escrevê-la corretamente, pois conhecem o código alfabético. E muitos o fizeram sem conhecer o sentido da palavra.
JC  Que tipo de reforma educacional o senhor defende a partir dos seus estudos?
DEHAENE  Não sou educador e não proponho reformas educacionais. Apresento conclusões de trabalhos na forma de grandes princípios pedagógicos da alfabetização: a necessidade de ensinar explicitamente o código alfabético, a necessidade de seguir uma progressão racional na escolha dos fonemas e grafemas, a necessidade de um aprendizado ativ associando a leitura e escrita das palavras, e a transferência do explícito para o implícito, isto é, ajudar o aluno a entender o código alfabético e suas regras antes de automatizar a leitura.
JC  O seminário vai falar sobre como o cérebro evoluiu para processar a capacidade de ler e escrever. Como se deu esta evolução?
DEHAENE  Eu abordo essa questão no meu livro, lançado no Brasil este ano, Os neurônios da leitura. O cérebro é fortemente estruturado e foi programado para identificar imagens, faces, a língua falada, os números. Para aprender a ler, precisamos fazer uma reciclagem neuronal, reorientar os sistemas cerebrais usados para identificar imagens e faces para os novos símbolos, as letras, próprias de cada cultura.
JC  Alguma pesquisa do senhor envolveu pessoas do Brasil ou da América Latina? As conclusões sobre a capacidade do cérebro variam de país para país ou podem ser consideradas ou universais?
DEHAENE  Minhas pesquisas envolvendo brasileiros e portugueses compararam o cérebro de crianças alfabetizadas e não alfabetizadas com o cérebro de pessoas alfabetizadas depois de adultas e de adultos analfabetos. A alfabetização muda o cérebro, muda a reciclagem neuronal, qualquer que seja a idade em que ocorra. Esses estudos também mostram que todos  menos os analfabetos conseguem ler pseudopalavras. Mas a velocidade da leitura varia muito e vai na direção esperada: os que foram alfabetizados mais tarde tendem a ler mais lentamente.
enviado por Julio Jacabo Waiselfisz

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