2 de julho de 2012

Uma nação de conformistas mimados , Roger Cohen


LONDRES
Muito se falará do espírito olímpico nas próximas semanas. Não sei ao certo o que isso significa, mas o termo engloba uma combinação de coragem, generosidade e determinação. É a força que empurra um indivíduo aos limites da resistência física, em nome não da vitória, mas do esforço humano.
O problema é que a expressão será brandida numa sociedade que parece estar empenhada ao máximo em anular esse espírito. A Grã-Bretanha, anfitriã dos Jogos Olímpicos que começam em 27 de julho, se tornou a terra por excelência da "gestão da segurança", onde o risco, a iniciativa, a responsabilidade pessoal e a vivência de extremos vêm sendo esmagados em nome da necessidade de uma babá que proteja todos dos perigos de pisarem porta afora.
A nação do "cuidado com o vão" -o aviso habitual no metrô londrino sobre o espaço entre o trem e a plataforma- virou o país do "cuidado com o próprio ar que você respira". No ano passado, a entrega de correspondências em parte de South Yorkshire foi suspensa depois que um carteiro escorregou e machucou o ombro. O Correio Real se desculpou e disse que "a segurança e o bem-estar dos nossos funcionários são o mais importante".
A segurança não deveria ser "o mais importante" -não em detrimento da liberdade, da aventura e do desconhecido. Não é porque existem cada vez mais ferramentas para controlar as pessoas que as autoridades devam usá-las. Não é porque acidentes acontecem que a vida deva ser vivida como se eles fossem sempre iminentes. As crianças precisam conhecer insetos, ervas venenosas, trilhas traiçoeiras e sons noturnos estranhos nas florestas. Elas não precisam de uma segurança hermeticamente fechada.
Recentemente, conversei com a minha irmã, que dá aulas para crianças de dez anos. Sua descrição sobre as páginas de formulários de "avaliação de risco", que ela precisa preencher se quiser ir a qualquer lugar com os alunos, é assustadora. Ela precisa percorrer a pé a rota proposta para conferir se não há nenhum andaime. Se ela quiser divulgar o passeio, precisa falar com um bedel para abrir a proteção de vidro do mural de recados, já que papéis sem essa proteção são agora vistos como um sério risco de incêndio.
Crianças de várias escolas britânicas foram orientadas nos últimos anos a usarem óculos para manusearem certas colas, a não brincarem com caixas de ovos vazias, por causa da contaminação por salmonela, a usarem capacetes ao passar sob castanheiros-da-índia e a desistirem de disputar "corridas de três pernas", por serem perigosas demais. Um custoso estudo concluiu que levar crianças ao boliche pode ser arriscado, porque elas podem correr pela pista e se enroscar no maquinário.
A União Europeia não fica muito atrás, é claro. Propostas feitas no ano passado sugeriam proibir cabeleireiras de usar salto alto (perigoso) ou bijuterias (anti-higiênico) na hora de cortar cabelos. Por favor!
O equilíbrio entre liberdade e responsabilidade pessoais e supervisão do governo ficou seriamente distorcido no Ocidente na última década. Mesmo nos Estados Unidos, onde a psique nacional é construída em torno da ideia de liberdade, a disposição para o litígio coíbe a decisão de assumir riscos. O prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, é bem intencionado ao querer proibir a venda de refrigerantes grandes, mas está errado. Se as pessoas querem essas bebidas, é um direito delas.
Não estamos mais criando pessoas olímpicas. Estamos criando conformistas mimados, inclinados a verem perigo por todos os lados.
Recentemente, me chamaram para uma palestra em uma escola. Eu disse: "Deixem seus desejos respirarem. Observem com paciência. Ouçam através dos silêncios. Olhem além da próxima esquina. Confiem no alvoroço da intuição. Escutem o murmúrio do universo. Liberem a sua imaginação. Sigam a bússola do seu coração, esse grande demolidor da sabedoria convencional, rumo ao desconhecido".
Às vésperas da Olimpíada, a cultura da "gestão de segurança" é um perigo bem maior para todos do que as ameaças contra as quais essa odiosa expressão é constantemente evocada.
Folha de S.Paulo, 2 de Julho,2012  (The New York Times)

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