4 de setembro de 2014

Universidades esperam repasse menor do Estado


UNIVERSIDADES EM CRISE

Reitora afirma que desempenho fraco da economia reflete nos salários

Docentes e servidores receberão reajuste salarial de 5,2%; entidades definirão se mantêm paralisação
THAIS BILENKYNATÁLIA CANCIANFÁBIO TAKAHASHIDE SÃO PAULOO fraco desempenho da economia fez as universidades paulistas reduzirem a expectativa de repasses do Tesouro estadual em 2014. Até agosto, USP, Unicamp e Unesp receberam R$ 5,5 bilhões, resultado 4% abaixo do esperado.
Os valores são uma porcentagem da receita do ICMS (principal imposto paulista), maior fonte de financiamento das universidades. Se economia arrefece, a arrecadação também cai.
"PIB baixo tem reflexo nos nossos salários", diz Marilza Rudge, reitora da Unesp e presidente do Cruesp, conselho que reúne os três reitores.
Em meio a esse cenário, o Cruesp anunciou nesta quarta-feira (3) reajuste salarial de 5,2% aos funcionários e docentes das três instituições.
As duas categorias estão em greve há cem dias. "Esperamos que agora suspendam [a paralisação]", diz Rudge.
As entidades dos setores farão assembleias para decidir --elas pedem 9,78%
Mesmo com o reajuste, as universidades esperam, com cortes de outros gastos, terminar o ano com um comprometimento menor de seus orçamentos com a folha salarial.
A USP deve chegar a 104,95%, ante 105,6% atuais. A Unicamp estima 94,85%; hoje, são 97%. A Unesp quer passar de 95% para 93,2%.
Para reduzir gastos, a USP aprovou na terça um plano de demissões voluntárias que prevê corte de até 10% dos servidores. O alvo são funcionários técnico-administrativos de 55 a 67 anos e com mais de 20 anos na universidade, a maioria já aposentada ou em condições de se aposentar.
Um estudo apontava 2.800 servidores nesse perfil. Se todos aderissem, o custo do plano seria de R$ 700 milhões.
A USP disse que, "dada a situação financeira", redimensionou para R$ 400 milhões o projeto. A estimativa passou a ser de 1.700 funcionários. A universidade tem 17,5 mil servidores não docentes.
Hoje, 97% são contratados por CLT. Como esse regime não prevê aposentadoria integral, a adesão ao plano pode ser maior do que a estimada.
A meta, se atingida, significará para a USP economia de R$ 22 milhões/mês. Ainda assim, até 2017, a universidade deve continuar usando reservas orçamentárias, conforme documento apresentado ao Conselho Universitário.
A poupança deve cair de R$ 1,8 bilhão para R$ 1,2 bilhão, em valores aproximados.
Os voluntários poderão se inscrever a partir de outubro. As demissões ocorrerão de janeiro a março. Servidores fora do perfil também podem se candidatar, diz a USP.

Folha de SP.4/9/2014

UNIVERSIDADES EM CRISE

Gritos e cadeiraço

Para impedir aulas, estudantes que apoiam a greve empilham carteiras e fazem 'piquetes sonoros', gerando clima de tensão em parte da USP
THAIS BILENKYDE SÃO PAULOSalvo por um ou dois cartazes, a greve na USP passa despercebida em boa parte das unidades. Por outro lado, em alguns departamentos a paralisação impôs um clima de tensão e suspendeu a rotina acadêmica.
Para impedir professores de darem aula, estudantes de ciências sociais recorrem ao chamado "cadeiraço", ação que consiste em empilhar carteiras em frente às salas e nos corredores.
Também promovem "piquetes sonoros" --gritam palavras de ordem, apontam "fura-greves" e esmurram portas e mesas.
Há alguns dias, uma professora foi obrigada a interromper a aula devido a um "piquete sonoro". "Meu dever é proteger os alunos", disse aos estudantes, temendo um enfrentamento entre aqueles que assistiam ao curso e os grevistas.
Nos corredores da Faculdade de Educação e dos departamentos de Ciência Política e Filosofia, "cadeiraços" restam intocados por dias. "Ninguém nem tenta tirar, porque vai gerar um atrito com os estudantes", diz Othon Novaes, 22, um dos líderes da greve.
"Parece singelo, né? São só algumas cadeiras. Mas há um poder por trás", comenta um professor que não quis ser identificado devido ao clima "hostil" por lá.
Esse poder é aquele conferido em assembleia. Aprovada a greve estudantil, o argumento do "interesse coletivo" é evocado toda vez que alguém a "fura".
O professor de política Rogério Arantes esboçou uma teoria sobre o "cadeiraço". Num documento endereçado a seus alunos, notou um padrão constante nos movimentos grevistas de 2013 e 2014.
As primeiras assembleias, que decidiram pela greve, tiveram adesão expressiva. As seguintes, que aprovariam o "cadeiraço", geraram dissidência e esvaziamento --é o momento em que os "cadeiraços" se impõem como demonstração de força, teorizou Arantes.
Alunos menos mobilizados começam a se sentir afetados. Então voltam às assembleias na tentativa de retomar as aulas.
Em manifesto público assinado por docentes do Departamento de Ciência Política da USP, "o cadeiraço é um instrumento de privatização do espaço público por parte daqueles que querem impor seus interesses e visão sobre a universidade".
Professores da filosofia também elaboraram carta aberta e promoveram um debate sobre o "cadeiraço".
"Cada sala de aula vazia por imposição de força aparece como a negação da universidade e, mais especialmente, de uma faculdade que, orgulhando-se de sua condição de célula-mater da universidade, tem a responsabilidade de pensá-la."
Aluno da filosofia, Vitor Fiori, 28, considera o "cadeiraço" necessário para evitar o prejuízo de alunos que dependem do bandejão e da biblioteca para manter as atividades da graduação. "Como esses serviços também estão paralisados, não temos condição de continuar frequentando aulas."
Othon Novaes disse que "os que fizeram uma opção individualista não podem causar ônus àqueles que fizeram uma opção pelo coletivo". "Se alguém fura o movimento, o grevista se ferra e ele se dá bem."
Para ele, as greves estudantis surtiram efeitos positivos, como o aumento do número de vagas na graduação e a contratação de professores no departamento de letras, em 2003, e reposição de professores aposentados na gestão de João Grandino Rodas (2010-2013).
"Não faz o menor sentido. Greve surte efeito quando trabalhadores suspendem a atividade como condição para chamar os proprietários dos meios de produção para negociar", diz José Álvaro Moisés, docente da ciência política e um dos signatários do manifesto de seu departamento.
Alvo de "piquete sonoro" no início da greve, Moisés terminou o curso com atividades on-line. "É absurdo. Esse grupo minoritário de alunos está mandando na faculdade. É grave porque interrompem atividades de ensino e de pesquisa."

    A crise da USP e soluções

    A crise financeira da Universidade de São Paulo (USP) ressuscitou o debate sobre a necessidade de se contornar a crise estrutural de financiamento da universidade

    MARCOS FERNANDES G. DA SILVA*
    Em primeiro lugar, as primeiras coisas: a urgência da situação exige um programa de demissão voluntária. O programa aliviaria a folha de pagamento - que é maior que o orçamento - mas ela deve focar funcionários, dado que faltam professores na verdade (10% em média das unidades). A USP contratou funcionários em excesso e não adianta vir com argumentos sobre a expansão do número de alunos: a universidade pode terceirizar ao máximo as atividades meio e informatizar processos. Adicionalmente há um problema de injustiça, dado que os funcionários da USP se dividem numa elite que ganha 30% acima do mercado e uma maioria que ganha muito pouco (entre os concursados).
    Um risco dessa medida: perder talentos, um típico problema de seleção adversa, dado que os melhores saem, pois têm perspectiva de emprego e os piores ficam. Mas não há saída.
    A outra medida é dar para o Estado, os hospitais universitários, que devem continuar públicos e fazer o mesmo com os elefantes brancos inacabados pela gestão anterior. Outra ação de urgência seria a privatização imediata dos estacionamentos que deveriam ser cobrados, com agregação de valor ao usuário com segurança, mas com tarifas minimizadas e devidamente reguladas para professores e funcionários, não para alunos.
    No médio-prazo, contudo, deve-se pensar numa reforma da governança, incluindo membros da sociedade civil, ex-alunos e conselheiros do setor público e privado para opinarem sobre a gestão e darem ideias nas áreas de inovação financeira e organizacional. Deve-se pensar na busca de doações de dinheiro de empresas e pessoas para fundos de bolsas, investimentos em infraestrutura física, mas com o cuidado de evitar contratualmente ingerência sobre a pesquisa e governança.
    No longo-prazo dever-se-ia retirar completamente os mecanismos que reforçam o corporativismo da ADUSP e SINTUSP, que somente pensam em seus salários e privilégios, por uma gestão transparente do conselho e não democrática. Universidades devem ser democráticas na produção do conhecimento, não na gestão.
    Adicionalmente, deve-se cobrar mensalidade, nunca para financiar a universidade, mas para custear fundos de bolsa para os mais necessitados que jamais pagariam pelos estudos e ainda teriam bolsas, como já existem, maiores. Um aluno da USP em média custa em torno de R$ 43.000,00 por ano, comparando-se os custos embutidos em mensalidades de universidades pagas de qualidade. No caso dos de economia, administração, medicina, engenharia e direito, observamos as maiores taxas de retorno apropriado privadamente pelos graduados. Do lado da receita temos para financiar a universidade impostos indiretos regressivos.
    Logo, universidade paga é uma questão de eficiência (alunos se formam mais rapidamente e custam menos) e justiça social (custam menos aos mais pobres). Como Marx afirmava corretamente "de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades". A USP faz tudo, menos isso.
    As universidades padecem da "doença do custo", isto é natural: quando elas se expandem os custos aumentam, mas nada impede que elas sejam geridas com mais eficiência e por critérios de justiça distributiva.
    *MARCOS FERNANDES G DA SILVA, 51, economista, professor da da Fundação Getulio Vargas, membro do Aluminni da FEA/USP é pesquisador na área de políticas públicas e justiça da FGV/EAESP, autor do livro Ética e Economia (CAMPUS, 2006) marcos.fernandes@fgv.br

      Para funcionários, plano vai de interessante a ilusório

      RICARDO GALLOCÉSAR ROSATIDE SÃO PAULOInteressante, ilusório, bom dinheiro ou ineficaz? Para funcionários da USP ouvidos pela Folha, o plano de demissões voluntárias ainda precisa ser compreendido.
      Lenilda Valença, 57, diz que se enquadra exatamente na proposta. Assistente administrativa do Hospital Universitário, ela tem 26 anos de USP (são exigidos 20 anos pelo menos) e mais de 55 anos.
      Aposentada desde 2005 e ainda trabalhando, viu uma boa perspectiva. "É interessante, principalmente pelo dinheiro. Já estou aposentada mesmo e uma hora eu teria que parar. Mas ainda preciso saber quais serão as regras, o que ainda não está claro."
      Também do hospital, Elis Torres, 44, tem 25 anos de USP. Acha o PDV atraente, mas, tal qual Lenilda, aguarda as normas. "É interessante para quem está aposentado ou perto de se aposentar. Fora do PDV, quando o funcionário vai ter uma possibilidade desta, de sair com um bom dinheiro?"
      Esse "bom dinheiro" pode ser uma ilusão, diz o técnico de laboratório Paulo César Fernandes, 55, que nem pensa em analisar o plano.
      "A quantidade geralmente enche os olhos do trabalhador, mas esse dinheiro um dia acaba. Se até o dinheiro do jogador de futebol, que ganha milhões, um dia acaba. Imagina essa", afirma.
      "Sou contra, pois não adianta nada. Já não tem funcionários na USP e já trabalhamos no limite. Como a instituição vai fazer para funcionar e dar um serviço de qualidade com menos funcionários e com trabalhadores menos experientes? Não tem como", disse o servidor, há 36 anos na USP.
      Otacílio Tomaz, 55, diz ser contrário à proposta, mas não se importa em avaliá-la. Com 25 anos de universidade, o engenheiro eletricista acredita que há outras formas de contornar a crise.
      "Estou avaliando. Depende do dinheiro, o valor tem que ser suficiente para abrir um comércio pelo menos", disse. "Apesar de estar perto de me aposentar, ainda tenho condições de servir a universidade por mais dez anos. Gosto do que eu faço."

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