SÃO PAULO - O inimigo público n° 1 está foragido? É fácil resolver isso. Vamos prender sua mãe e torturá-la até que ele se entregue. Vários problemas têm soluções simples razoavelmente eficazes, mas isso não significa que devamos adotá-las.
Curiosamente, quando se trata de futebol, as pessoas parecem não se importar muito em sacrificar o pudor jurídico que, numa sociedade que se quer civilizada, deveria nortear qualquer ação punitiva. Não apenas os códigos esportivos preveem sanções como perda de mando e de pontos para o clube cuja torcida se comporte mal como ainda grande parte dos comentaristas e do público defende esse tipo de medida. O fato de elas constituírem uma forma de punição coletiva que ignora um dos princípios mais elementares do ordenamento jurídico moderno, o de que nenhuma pena atingirá outrem que não a pessoa do condenado, não parece incomodar muita gente.
Concordo que as manifestações racistas nos estádios são horrorosas e que devemos nos empenhar em pôr um fim a esse tipo de coisa. Também repudio a violência das torcidas organizadas e o vandalismo. Mas, se vamos combater esses comportamentos, precisamos fazê-lo segundo as regras do direito penal, que exigem identificar os culpados e julgá-los em processo regular, no qual tenham direito a ampla defesa.
Vou até um pouco mais longe e insisto em que não faz muito sentido impor sentenças de privação de liberdade ou mesmo multas a quem ofende membros de minorias. Prefiro uma situação na qual a liberdade de expressão seja esticada até seus limites máximos e nós enfrentemos o racismo mostrando, com argumentos, por que essa é uma atitude moralmente condenável.
Não é porque o racismo nos parece algo particularmente odioso e o futebol é só um jogo que podemos nos dar ao luxo de deixar de ignorar as regras que fazem com que a Justiça seja algo diverso da mera vingança.
Folha de SP, 3/9/2014
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