29 de junho de 2015

A conta do atraso, Antonio Gois


29 de junho de 2015
"Brasil já investe proporcionalmente mais no ensino do que nações ricas, mas anos de descaso com o setor comprometem resultados", afirma Antônio Gois

Fonte: O Globo (RJ)



O Inep (órgão de estudos e avaliação do MEC) atualizou na semana passada seus cálculos sobre o investimento público em educação. Pelas contas do instituto, o Brasil já gastava em 2013, último ano com dados disponíveis, 6,2% do PIB com o ensino. Não é pouco, mesmo se comparado com o que nações desenvolvidas hoje investem no setor. Para o mesmo ano, segundo informações do site usgovernmentspending.com, o patamar dos Estados Unidos era de 5,2%. Na média dos países da OCDE — organização que congrega, em sua maioria, países ricos —, este percentual era de 5,6% em 2011, último ano com dados agregados disponíveis.
Há quem conclua a partir desses dados que, se o Brasil investe mais em relação ao PIB do que países ricos e fica muito atrás deles em termos de resultados, esta é uma prova irrefutável de que estamos gastando mal. Que o investimento público é ineficiente no país, resta pouca dúvida. O problema neste argumento é ignorar nosso atraso histórico.
No mesmo site que fornece informações sobre o gasto governamental americano, é possível fazer uma série histórica do investimento no PIB daquele país desde 1900. Na tese “Taxas de matrícula e gastos em educação no Brasil”, o economista Paulo Maduro Junior fez o mesmo para o caso brasileiro, estimando o investimento no setor desde 1933. A comparação das duas séries históricas revela o tamanho do atraso brasileiro.
De 1933 a 1964, o menor gasto público em ensino no Brasil foi de 0,9%, registrado em 1943, e o maior foi de 2,0%, em 1963. Ou seja, nesses 31 anos, oscilamos ao redor de 1% a 2% do PIB. No mesmo período, os Estados Unidos registravam patamares bem superiores, ficando quase sempre acima de 3%, mas oscilando de 1,3% (em 1944) a 3,9% (em 1964). Mesmo no auge da Segunda Guerra Mundial, em que os americanos tiveram participação infinitamente mais expressiva do que o Brasil, eles investiam mais do que nós.
No Brasil, somente em 1988 chegamos ao patamar de 4% do PIB investido em educação. Nos Estados Unidos este percentual foi alcançado (e nunca mais ficou abaixo disso) 23 anos antes, em 1965. O primeiro ano em que na série histórica das duas nações o Brasil superou os Estados Unidos foi 2012.
Não é por acaso, portanto, que os indicadores educacionais dos dois países hoje sejam tão discrepantes. Já em 1950, enquanto no Brasil 51% da população com mais de 15 anos não sabia ler e escrever, os EUA registravam uma taxa de analfabetismo adulto de 3%, inferior até mesmo ao patamar em que nos encontramos hoje no Brasil, de 9%.
O argumento dos defensores da ampliação do gasto com ensino é o de que, para compensar o atraso histórico, o Brasil precisa investir proporcionalmente mais do que as nações ricas. É por isso que o Plano Nacional de Educação planeja o patamar de 10% do PIB até 2024.
Há, porém, um alerta do outro lado — dos críticos da ampliação do gasto — que não deve ser desprezado: o risco de todo esse esforço não trazer resultados. Dois exemplos recentes de políticas públicas educacionais mostram que a preocupação faz sentido. Um deles é o do Fies, que elevou de R$ 1 bilhão para R$ 14 bilhões os gastos com financiamento de alunos no ensino superior privado sem que as matriculas crescessem em ritmo satisfatório. Outro é o do Reuni, programa que o MEC lançou em 2007 com o objetivo de aumentar o investimento em universidades federais para que elas ampliassem vagas e fossem mais eficientes. As matrículas até cresceram, mas a ampliação do gasto veio acompanhado de aumento da evasão e sem mudança na relação de professores por alunos.
É preciso investir mais, e melhor. Não será fácil.

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