18 de junho de 2015

Educação é baseada em achismos', afirma Viviane Senna

    Folha de S.Paulo, 18/6/2015

Segundo a psicóloga, que tem se dedicado a trazer a neurociência para a escola, há muitos dados científicos que não são aproveitados
RICARDO MIOTOEDITOR-ADJUNTO DE "COTIDIANO"GABRIEL ALVESDE SÃO PAULO

Viviane Senna, a presidente do Instituto Ayrton Senna, que leva o nome do seu irmão, considera que a educação brasileira vive uma fase pré-científica. Há muitos estudos à disposição sobre como o aprendizado se dá, afirma, mas pouco é utilizado.
Sua entidade contratou recentemente o economista Ricardo Paes de Barros, pesquisador das áreas de desigualdade e mercado de trabalho. Fez também uma parceria com Roberto Lent, um dos principais neurocientistas do país, para desenvolver pesquisas na área de educação.
Um estudo do instituto mostrou que qualidades como dedicação e foco têm quase o dobro do impacto no desempenho escolar comparadas com fatores como cor, gênero ou ambiente familiar.
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É possível mensurar o impacto de características como a disciplina no desempenho dos alunos?
Estamos medindo a conscienciosidade --ou seja, a capacidade da pessoa de ser responsável, de ter foco, persistência, disciplina-- de 25 mil alunos da rede estadual do Rio de Janeiro.
O que descobrimos é que essa habilidade significa, a cada nove meses de aulas de matemática, um bônus de três meses no aprendizado. Ou seja, você consegue um terço a mais de resultados.
O [economista] Ricardo Paes de Barros está por trás dessa iniciativa.
A iniciativa privada já descobriu que essas habilidades são importantes faz tempo, não?
Sim. Estamos mostrando cientificamente aquilo que intuitivamente já sabemos. Ninguém vai aprender direito na escola ou no trabalho se não for disciplinado, responsável, se não ralar.
Uma vez que a pessoa em questão não seja disciplinada, persistente, algo nos diz que seja possível mudar?
Se essas habilidades são fixas, cristalizadas, não há nem o que mexer. Mas estamos descobrindo que essas características são muito maleáveis, pela vida toda, mas especialmente até os 20 anos de idade. É importante treinar os professores para que estimulem isso nos alunos. É o que estamos fazendo no Rio. Pode ser uma forma inclusive de a escola ficar mais motivante para o aluno.
Como os professores reagem?
Para eles, é muito difícil ter crianças indisciplinadas, desmotivadas. Eles precisam não desistir da criança, fazer ela acreditar nela mesma, trabalhar com disciplina, foco. Às vezes, o professor já elege aqueles em que vai se concentrar, e os outros ficam de lado.
Você tem de colocar para o professor que a meta dele é ter 100% de sucesso. Aí ele aprende a ter responsabilidade e não arrumar desculpa, dizendo que o aluno é pobre ou que a família é desestruturada. Se você ensinar, o aluno aprende. Quando isso acontece, o aluno passa a acreditar no professor e vice-versa.
Sempre que se fala de uma cultura de alto desempenho dentro da escola, de resultados, de metas, existe uma reação de corporativismo, de sindicatos. Isso segue forte?
Essa resistência existe. Ela não é tão forte quanto foi há 20 anos, mas ainda terá que evoluir muito. Avaliação é só uma ferramenta para saber se estamos acertando ou errando. É básico.
Uma criança que tinha oito anos quando Dilma começou o primeiro mandato vai ter 16 quando ela terminar o segundo. São oito anos decisivos. O que ela aprendeu ou não vai definir a vida dela. A questão da eficiência é uma questão ética. Não temos o direito de não ter eficiência. Essa oportunidade não volta mais.
Em uma palestra recente, você disse que, depois de trazermos conhecimentos de gestão e economia à educação, o próximo passo é a neurociência. Como isso se dá?
Queremos trazer a ciência para a educação. Montamos uma rede de pesquisadores, com gente como o Roberto Lent [neurocientista carioca]. Estamos estudando o papel da repetição na automatização da leitura e o papel do sono na consolidação do conhecimento. Queremos entender como o cérebro aprende.
A educação trabalha com achismos, enquanto temos uma quantidade imensa de ciência à disposição.

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