16 de junho de 2015

Bônus na educação pode aumentar a desigualdade


Educadora diz que, em locais heterogêneos, meritocracia pode afastar bons professores de escolas mais vulneráveis
FÁBIO TAKAHASHIDE SÃO PAULO, Folha de S.Paulo, 16/6/2015

Políticas como bônus por desempenho para os professores só funcionam em redes públicas com pouca desigualdade, raridade no país, defende a educadora Maria Alice Setubal.
Para ela, se esse incentivo é aplicado em redes desiguais, a tendência é que os melhores professores desistam dos piores colégios, justamente os que precisam de mais apoio, mas onde é mais difícil obter resultados.
Setubal, 64, é doutora em psicologia pela USP e preside o Cenpec, organização da área de educação que trabalha, por exemplo, com formação de professores.
A educadora ficou conhecida do grande público na última campanha presidencial, como uma das principais assessoras da candidata Marina Silva, que hoje busca criar a Rede, novo partido.
A campanha de Dilma Rousseff (PT) usou o fato de Setubal ser uma das acionistas do banco Itaú para atacar Marina, que defendia a autonomia do Banco Central (a campanha petista dizia que a medida deixaria a instituição mais vulnerável a interesses dos bancos privados).
Em entrevista à Folha, Setubal diz que continua próxima de Marina, mas que pretende se afastar um pouco da política partidária e se concentrar mais na educação.
Nesta semana ela lança o livro "Educação e Sustentabilidade" (editora Peirópolis), em que defende que as escolas ensinem princípios de sustentabilidade ambiental, social e econômica.
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Folha - Por que escolas devem se concentrar nos princípios da sustentabilidade? Há educadores que entendem que as escolas já têm incumbência muito pesada de ensinar o básico, como ler e escrever.
Maria Alice Setubal - As coisas têm de vir juntas. E quando vêm é que surge sentido [no conteúdo]. Não dá para trabalhar gramática e redação para depois, se der tempo, a cidadania. As questões de leitura e matemática devem ser abordadas dentro de discussões como mobilidade urbana, violência.
No livro, retomo Paulo Freire: leitura sem contexto não adianta.
Concordo que principalmente as escolas de periferia têm inúmeras demandas que são de saúde, de assistência social. Essas demandas é que precisam sair do âmbito da escola, para ela se concentrar na educação.
Por outro lado, você precisa apoiar mais as escolas em situações vulneráveis. Se você dá bônus apenas para quem vai bem, só aumenta a desigualdade.
No livro, você mostra ceticismo em relação a políticas como bônus e meritocracia na educação.
Quando você tem igualdade de oportunidades, um município com a mesma condição a todos, você pode aplicar a meritocracia. Mas no Brasil como um todo é mais difícil.
Sou contra o bônus quando não se leva em conta as diferentes condições. Porque, se não, causa uma disparidade ainda maior, ninguém quer dar aula nas escolas piores, que em geral já ficam na periferia, e elas ainda terão professores piores.
Ou há outras formas, como no Ceará, onde não é um bônus direto para o professor. A maior parte do prêmio vai para escola, e ela só recebe tudo se entrar numa rede de colaboração com escolas no entorno que têm notas piores.
A rede estadual de São Paulo tem uma política de bônus há seis anos, em que recebem o dinheiro extra os profissionais das escolas que atingem determinadas metas. O que você acha do modelo?
Preciso estudar um pouco mais a fundo o modelo. Mas não sei se está dando certo. Os resultados continuam ruins. O índice de qualidade da educação de São Paulo pode estar entre os cinco primeiros do Brasil, mas é muito baixo. A riqueza do Estado é incompatível com os resultados na educação.
Há muita contestação hoje no mundo sobre essa política. Você começa a treinar apenas para a prova. É outra contradição.
Você continua apoiando Marina Silva e a Rede? E ficou alguma mágoa da campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff?
Sigo próxima da Marina, nos falamos sempre, serei filiada à Rede, mas me afastei um pouco do dia a dia da política partidária. Quero me concentrar mais na educação neste momento.
Sobre a campanha, tudo aquilo que o PT dizia que não iria fazer, como cortes, aumento da taxas de juros, ele fez. A popularidade da presidente está baixa. É tudo o que posso dizer.

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