27 de setembro de 2016

Ter ou não ter educação física e artes no ensino médio, eis a questão, Maria Alice Setubal




Maria Alice Setubal





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A Reforma do Ensino Médio proposta pelo governo na semana passada gerou intenso debate, o que demonstra a importância do tema para a sociedade brasileira. Artigos, entrevistas com especialistas e reportagens nas diversas mídias apresentaram pontos favoráveis e pontos questionáveis nas mudanças propostas. Dentre esses últimos, muitos itens foram alvo de preocupação.

Primeiramente, causa desconforto o fato de a reforma ter como formato uma Medida Provisória, sem a participação da comunidade de educadores e da população em geral em sua elaboração.

Além disso, é problemático ela não levar em conta o Ensino Noturno, que segundo dados do Censo Escolar de 2015, reúne 23,6% dos alunos. Ainda, a nova reforma pode acabar por excluir da escola os alunos com maior vulnerabilidade social ao ampliar o número de horas/aula, impedindo que o estudante que também trabalha tenha como frequentar a escola.

Finalmente, questiona-se se os jovens teriam o preparo suficiente e as referências adequadas para fazer a escolha de um dos 5 percursos educativos propostos, e debate-se a obrigatoriedade ou não das diferentes disciplinas que compõem hoje o currículo do Ensino Médio, sobretudo Artes e Educação Física.

Falei em artigos anteriores sobre a importância dos esportes na formação dos indivíduos, e agora gostaria de discutir aqui por que, na minha opinião, Educação Física e Artes deveriam ser disciplinas obrigatórias no Ensino Médio.

Ao justificar a reforma, os diferentes escalões do Ministério da Educação (MEC) afirmam que as mudanças estão alinhadas com os currículos de países que têm altos índices de educação nas avaliações internacionais. Contudo, diversas reportagens mostraram recentemente que em todos esses países a Educação Física é uma disciplina obrigatória. Para debatermos esta questão, devemos ir além de apenas comparar currículos. É preciso entender como as aulas de Artes e Educação Física dialogam com o conceito de Educação Integral, voltado para os interesses e necessidades dos jovens do século 21.

O Cenpec defende a importância da Educação Integral como uma política valiosa no combate das desigualdades. No nosso entendimento, para além da ampliação da jornada escolar, a Educação Integral vê o aluno como um todo, ou seja, considera seus aspectos físicos, cognitivos, culturais e emocionais.

Neste contexto, a Educação Física responde não apenas ao desejo das crianças e jovens de praticar esportes, mas principalmente ao impacto que essas aulas têm em seu desenvolvimento completo. Afinal, diversos estudos científicos mostram como a Educação Física é importante na prevenção e combate à obesidade entre crianças e jovens.

A prática de esportes também é fundamental para que as crianças aprendam a lidar com valores e habilidades necessárias para a vida em sociedade: ganhar e perder, ter disciplina, trabalhar em equipe, ter persistência, entender o valor da cooperação. Além disso, as aulas de Educação Física podem relacionar-se com inúmeras outras competências, como expressão e fluência oral (por exemplo, ao incentivar os alunos a narrar e comentar os jogos), ou o aprendizado sobre mediação de conflitos e liderança, ao colocar as crianças na posição de árbitros ou técnicos.

Não só a perda da obrigatoriedade das aulas de Educação Física foi sentida. As aulas de Artes são também fundamentais para o desenvolvimento pleno das crianças e dos jovens, por diversos motivos. Ao debruçar-se neste universo, o aluno tem a possibilidade de fazer uma nova leitura de mundo e criar uma visão crítica de seu entorno.

Isso é muito importante, sobretudo considerando-se o fato de que a maioria dos alunos de famílias com maior vulnerabilidade social tem poucas oportunidades de ampliação de seu repertório cultural. A Arte é ainda um meio fundamental de expressão, de sensibilização e de criatividade. São inúmeros os exemplos de trabalhos de escolas, ONGs e também de jovens da Fundação Casa que mostram essa criatividade.

As aulas de Artes ainda oferecem oportunidades para que a aprendizagem saia de dentro dos muros da escola e se dê em museus e galerias. Um exemplo é a Bienal, grande exposição que acontece agora em São Paulo e tem como tema a Incerteza Viva, possibilitando um rico cenário para se pensar as vivências do mundo atual sob novas perspectivas. Vários grupos de escolas públicas estão realizando visitas guiadas por monitores no local.

Também devemos lembrar do MASP, que nas férias exibiu uma exposição sobre a Infância e agora revisita a mostra A mão do Povo Brasileiro, com ricos exemplos de arte popular.

Finalmente, não se pode deixar de mencionar a importância do grafite na sociedade contemporânea, modalidade muito próxima da juventude hoje. Inclusive, devemos lembrar que, durante as ocupações das escolas realizadas nos últimos anos, os alunos secundaristas reafirmaram seu interesse pelas artes, realizando diversas exposições e aulas abertas de pintura, fotografia e grafite.

Enfim, Educação Integral vai muito além de passar mais horas na escola. Ela é também uma forma de buscar um desenvolvimento pleno de nossas crianças e jovens, levando em conta não só o aprendizado dos conteúdos formais do currículo – como geometria ou regras de acentuação – mas também aspectos importantes para criação de jovens cidadãos, que se relacionam e participam ativamente da comunidade e do mundo atual.

Para isso, é muito importante reconhecer e articular os diversos saberes da escola, da família, da comunidade e da região com o acesso a cultura, arte, esporte, ciência e tecnologias. E neste contexto, as aulas de Educação Física e Artes são fundamentais. Não só elas desenvolvem importantes habilidades nos jovens como ainda oferecem oportunidades para que a escola se relacione com as pessoas e instituições ao seu redor, seja ao visitar exposições, ao participar de torneios esportivos ou ao convidar o seu bairro para participar de atividades dentro da instituição de ensino.

Não sou contrária à flexibilização do currículo ou à maior diversificação da oferta do Ensino Médio. Mas acredito que a reforma proposta pelo governo precisa de atenção em diversos pontos e, sobretudo, em sua implementação. Afinal, não queremos que ao invés de possibilitar para nossos jovens um caminho em direção à Educação Integral, ela resulte na ampliação das desigualdades de oportunidades educacionais.

MARIA ALICE SETUBAL

Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.


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