6 de setembro de 2016

Teto para gastos em educação provoca polêmica Especialistas temem queda nos investimentos para a área

RIO - A proposta do governo de teto para os gastos públicos é vista como um esforço importante para melhorar a situação fiscal, mas contém um elemento polêmico: as novas regras para despesas com educação. Especialistas com linhas de pensamento e experiências diferentes fazem ressalvas ao modelo, que prevê o fim da vinculação dos gastos a uma parcela específica do Orçamento. Além disso, as despesas passariam a ser atualizadas apenas pela inflação do ano anterior. Diante da gravidade da situação fiscal, porém, há quem avalie que esta é a melhor opção por garantir a manutenção de recursos ao setor.


Entre os críticos, há um argumento recorrente: o de que a educação pode acabar perdendo espaço no Orçamento diante do avanço de outras despesas, especialmente a Previdência. Os especialistas alegam que, apesar das conquistas dos últimos anos, com a quase universalização do ensino básico, ainda há desafios para a inclusão de estudantes na pré-escola e no ensino médio. Das crianças entre 6 e 14 anos, 98,5% estavam na escola em 2014. Entre aquelas com 4 ou 5 anos, a parcela é menor, de 82,7%. Entre os jovens, no entanto, o quadro é bem diferente: 15,7% dos que têm de 15 a 17 anos estavam fora da escola em 2014, segundo a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE.
RISCO A LONGO PRAZO
Para além do acesso, uma das principais preocupações é com o atraso escolar e a qualidade do ensino. Menos de 60% daqueles entre 15 e 17 anos que frequentam a escola estão no ensino médio, o que sugere o atraso. O Brasil está entre os países com pior desempenho no Pisa, exame feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para avaliar a educação. Mesmo com uma esperada ajuda da transição demográfica — o número de crianças e jovens já está em queda —, há necessidade de incrementar os investimentos em educação.
— Cortar recursos em educação neste momento é trocar o futuro do país por um ajuste de curto prazo. Não se trata de fazer direito e sim de fazer melhor, pois estamos no meio de uma corrida educacional mundial, e estamos perdendo — afirma o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcelo Medeiros.
Professor do Impa e da EPGE/FGV, Aloisio Araujo é um firme crítico da mudança. Ele condena a possibilidade de o setor perder espaço para outros gastos no Orçamento, principalmente por causa do prazo longo que é previsto, de 20 anos. Apesar de reconhecer que os avanços na educação ainda não se refletiram fortemente em produtividade, ele lembra que este é um investimento de longo prazo.
Diante da gravidade da situação fiscal, no entanto, Araujo admite que o congelamento dos gastos em termos reais poderia ser uma opção a curto prazo, para no máximo três anos.
Os riscos a longo prazo também são destacados pelo coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio Menezes Filho:
— Pela nova regra, os gastos vão depender da inflação, não da receita. Se o crescimento da economia acelera, e a inflação cai, o salário do professor ficará defasado frente a outras profissões. Isso dificulta a atração de bons profissionais.
Um dos pontos levantados por críticos é que, antes de mexer na educação, é preciso avançar em mudanças para reduzir outros gastos, especialmente a Previdência.
— Fazer ajuste na educação e não na Previdência é comprometer o futuro. O Orçamento da Previdência corresponde a duas vezes ao da educação. Estamos deixando uma mochila com pedras para nossos filhos e netos e ela está cada vez mais pesada. E a educação é o que garante uma musculatura de qualidade para aguentar esse peso — ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos e coordenador do FGV Social, Marcelo Neri.
Outros analistas defendem que a gravidade da situação fiscal exige medidas mais contundentes e que a proposta é a melhor alternativa já que mantêm os gastos no nível atual. Ou seja, a variação dos recursos pela inflação pelo menos garante que não haverá redução do montante destinado a um das setores vistos como prioritários para estimular a produtividade da economia brasileira.
— É uma proposta boa porque não tem outra alternativa. Não dá para fazer um ajuste pontual e cuidadoso a curto prazo. Apesar dos pesares, é a melhor solução agora, dá uma garantia mínima de manutenção dos investimentos em educação — avalia a pesquisadora do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) Sonia Rocha.
Para o ex-ministro Delfim Netto, o controle de gastos é fundamental para permitir a redução do endividamento e a posterior queda da taxa de juros, que por sua vez vai liberar espaço para mais gastos em educação e saúde.
— É uma medida correta. Tem que controlar as despesas. (...) O projeto garante que esses gastos (em educação e saúde) não serão reduzidos, vão ficar constantes — diz o economista.
FALTA SISTEMA DE AVALIAÇÃO
Pela legislação atual, o governo federal deve investir 18% de sua receita corrente em educação. Em 2014, esses investimentos chegavam a 24%. Neri afirma, no entanto, que pesquisas internacionais mostram que o investimento em educação não é tão grande se comparado com outros países:
— Se quer entrar no primeiro mundo, o Brasil tem que melhorar eficiência, mas a quantidade de investimentos também não é grande. Não é o caso de saltar para 10% do PIB, mas também não se gasta muito.
Um aspecto, no entanto, é unânime entre os especialistas: a necessidade de sistemas de avaliação das políticas de educação e de mais eficiência nesses gastos. Os especialistas citam que muitos recursos foram investidos nos últimos anos em programas cujos resultados não eram avaliados, como o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e o Ciência sem Fronteiras.
— Falta uma cultura de avaliação: não se sabe se os programas dão ou não resultado — afirma Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Ibre/FGV.
Sem avaliação de desempenho, abre-se espaço para gastos desnecessários e sem eficiência. Delfim Netto condena o “desperdício gigantesco”.
OITO PONTOS DE VISTA SOBRE A PROPOSTA DE MUDANÇA
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Delfim Netto, economista e ex-ministro da Fazenda
“A proposta de teto para gastos públicos é correta, tem que controlar as despesas. Só que há gastos que não podem ser deixados de lado, como educação e saúde. O projeto garante que eles não serão reduzidos, vão ficar constantes. Para atendê-los, é preciso flexibilizar outros. Espera-se alguma melhora da eficácia da administração, o que permitirá produzir mais com o mesmo recurso. A construção de uma sociedade civilizada depende de saúde e educação. A educação permite igualdade de oportunidades e foi o que transformou o macaco em homem. A Constituição está certa: educação e saúde são universais e devem ser pagas pela sociedade. Sem corte de gastos para reduzir endividamento, não se consegue baixar juros. O governo continuará gastando um pedaço do Orçamento para pagar a quem tem títulos. Mas há um desperdício gigantesco. O problema da educação brasileira é a brutal ineficiência administrativa.”

Gabriel de Paiva - Gabriel de Paiva / Agência O GLOBO
Aloisio Araujo, professor do Impa e da EPGE-FGV
“A situação fiscal é muito séria, mas não se pode congelar gastos se ainda estamos fazendo a escolarização. É verdade que o investimento em educação ainda não se traduziu em desenvolvimento econômico como gostaríamos. Mas imagina se paramos esses gastos, resolvemos outros problemas, mas falta educação? Deixar isso de lado seria um erro grave. Educação é um investimento demorado. Congelar os gastos pode deixar pegadas no crescimento econômico. E as despesas com educação vão acabar comprimidas em relação a outros gastos. O máximo que se poderia fazer é congelar gastos em termos reais por três anos. Se for um período mais longo, tenho medo de que o país acabe mais leniente com outros ajustes. Se em algum momento a receita sobe, outras reformas necessárias podem acabar adiadas. Não é que todos os gastos com educação sejam justificáveis: é preciso avaliar o retorno.”

Marcelo Medeiros - João Viana / Agência O Globo
Marcelo Medeiros, pesquisador do Ipea
“O dinheiro tem que ser bem gasto, é evidente. Mas cortar recursos em educação agora é trocar o futuro do país por um ajuste de curto prazo. Não se trata de fazer direito e sim de fazer melhor, pois estamos no meio de uma corrida educacional mundial, e estamos perdendo. A educação é um investimento de longo prazo de maturação. Resultados de reformas no sistema de ensino só terão impacto expressivo na economia em duas ou três décadas. Até lá, nossa geração tem que fazer um sacrifício para a geração seguinte. Não há fórmula mágica: educação de qualidade para fazer um país competitivo custa caro e leva tempo; não basta ensino básico, é necessário praticamente universalizar o ensino médio e expandir o universitário. É preciso avançar nos cursos considerados de elite: Medicina, engenharias e ciências, e os ligados à administração da produção e da sociedade, como Direito, Economia. Isso não é fácil e custa caro.”
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Marcelo Neri, ex-ministro, pesquisador e diretor do FGV Social
“O Brasil precisa de freio fiscal, mas é necessária alguma flexibilidade na composição dos gastos. Não se quer atrasar algo fundamental para o futuro do país. Educação é essencial para a produtividade e o crescimento da economia. Estudos mostram que, entre países em desenvolvimento e mais pobres, há forte relação entre os gastos com educação e o desempenho e a proficiência. Antes de qualquer mudança na educação, é preciso fazer a reforma da Previdência. O Brasil deu um salto em educação básica, mas há muito a avançar. A jornada é baixa para padrões internacionais, de quatro horas, e com 25% de faltas, em média. A transição demográfica pode ser a oportunidade para melhorar a qualidade e o tempo na escola. Precisamos melhorar em sistemas de avaliação e eficiência dos gastos. Se quer entrar no primeiro mundo, o Brasil tem de melhorar eficiência, mas a quantidade de investimentos não é grande.”
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Naercio Menezes Filho, professor do Insper
“Essa lei é um erro. Antes de segurar gasto com educação, é preciso mudar a Previdência e acabar com desonerações, por exemplo. Agora, parece que a proposta de teto de gastos públicos vai manter privilégios do Judiciário. A curto prazo, corrigir a despesa de educação pela inflação não traz problema porque o nível está elevado, em relação ao mínimo previsto em lei. A longo prazo, no entanto, é muito ruim. Haverá perda relativa frente aos demais setores. O investimento no setor é uma questão distributiva. Há milhões que dependem de educação e saúde públicas. Não se pode arriscar diminuir os recursos. No século XX, esquecemos da educação. Vamos repetir isso e priorizar setores com mais barganha política? É claro que é preciso agir para melhorar a eficiência dos gastos e avaliar os programas, mas tenho medo de os gastos com educação irem diminuindo e voltarmos ao passado.”
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Sonia Rocha, pesquisadora do Iets
“A proposta de congelar gastos em termos reais é boa porque não há outra saída. O ideal seria um ajuste pontual e cuidadoso de despesas, mas é difícil a curto prazo. É bom (o projeto)? Não. Tem jeito? Não. Considerando a situação fiscal, a proposta dá garantia mínima aos gastos em educação. Não vejo como ser mais generoso. Apesar dos pesares, é a melhor solução. A questão é que o gasto público no Brasil é muito ruim: dá para fazer mais com a mesma coisa. Em educação, há muito gasto ruim, como Ciência sem Fronteiras, Fies, a seleção de professores sem tanta qualificação... A educação teve progresso nos últimos anos em cobertura, mas a qualidade despencou. Os professores ensinam coisas irrelevantes e mal. Há questões ligadas à grade curricular. Os jovens abandonam a escola. Sem ensino médio, o jovem está fora do mercado do trabalho, o que tem impacto na produtividade da economia e no tecido social.”

Fernando de Holanda Barbosa Filho - Felipe Hanower / Agência O Globo
Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Ibre/FGV
“O Brasil não gasta pouco com educação, o problema é de alocação dos recursos. Se mantiver o recurso atual, é um nível bom. Os gastos já ficam acima dos mínimos previstos em lei, e não acho um pecado mortal falar em mexer nos gastos em educação. Estamos vivendo uma transição demográfica e daqui a pouco não vamos precisar de tantas escolas. Falta uma cultura de avaliação: não se sabe se os programas dão ou não resultado. O desempenho dos alunos é muito ruim e não se gasta tão menos que os outros países com resultado melhor. Deve existir alguma ineficiência, mas não se sabe qual. Alguns programas educacionais não deram o resultado esperado e, numa crise fiscal, não dá para manter programas sem sucesso. Há questões polêmicas quando se trata de alocação de recursos. Existe o mito da universidade pública e gratuita. Se fosse para mexer, seria para reduzir o ensino superior gratuito.”
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Lucas Pinto Diniz, estudante do Colégio de Aplicação da Uerj
“Tenho 14 anos e estudo no nono ano do Colégio de Aplicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Estou aqui desde o primeiro ano. Participei durante todo o período de ocupação da escola, desde maio até a última semana. Nosso objetivo era lutar pela escola. O que se percebe no dia a dia é que se investe pouco em educação. Fico preocupado com a possibilidade de um projeto que vai fazer com que os gastos na área fiquem parados. Durante a ocupação, nós lutamos exatamente para aumentar o investimento nas escolas. Faltam professores, falta bandejão... O ar-condicionado e os ventiladores nem sempre funcionam, há canos aparecendo no teto... Já teve ano em que fiquei quase dois meses sem professor de matemática e história, por exemplo. Teve turma que ficou mais de um ano sem professor de português... Isso com certeza afeta o conteúdo. Vemos o sucateamento da educação no dia a dia.”


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