1 de março de 2013

HÉLIO SCHWARTSMAN Esteira de eufemismos


SÃO PAULO - Como minha caixa de mensagens continua atulhada de e-mails a propósito da polêmica homossexualismo x homossexualidade, resolvi dedicar mais uma coluna ao tema. Prometo que é a última.
Não tenho nada contra a variante homossexualidade e me disponho a adotá-la tão logo os militantes parem de denegrir o sufixo "-ismo", que, ao contrário de "-astro", não encerra nada de pejorativo. Acredito, porém, que essa substituição de nomes é, muito provavelmente, um exercício fadado ao fracasso.
O pressuposto do patrulhamento linguístico é o de que palavras insidiosamente moldam atitudes, o que torna necessário manter vigilância constante contra formas sutis de ofensa. Embora haja nas humanidades quem ainda sustente essa tese, ela foi já há muito abandonada pelas ciências cognitivas. Nesse modelo, o que ocorre é exatamente o contrário. São as ideias das pessoas, incluindo seus preconceitos, que influenciam a linguagem, originando o fenômeno que o psicólogo Steven Pinker apelidou de "esteira de eufemismos".
A palavra "alcoólatra", por exemplo, foi proposta no início do século 20 para substituir "bêbado" e seus sinônimos mais vulgares, com o objetivo de reduzir um pouco a carga negativa que pesava contra essas pessoas. É óbvio, porém, que a permuta de nomes não fez com que os alcoólatras parassem de beber, de modo que o novo termo logo foi contaminado pelas mesmas mazelas que o fizeram surgir. Em pouco tempo, foi trocado por "etilista", "alcoólico", "dependente químico". A lista é aberta.
Algo parecido aconteceu com o "de cor", que substituiu "crioulo", para depois dar lugar a "preto", "negro" e "afro-brasileiro".
Pinker diz que a esteira de eufemismos é a melhor prova de que são os conceitos -e não as palavras- que estão no comando. Em vez de combater nomes, deveríamos nos concentrar nas atitudes, que são, afinal, o que se deseja mudar.

Folha de S.Paulo, 1/3/2013


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