É preciso cuidar para que a rejeição ao diferente na França e na Europa não acabe criando monstros
Estava pronto para escrever sobre a aparente (ou real) reconversão à esquerda da esquerda francesa, para as eleições de abril, mas não dá. Até porque a campanha eleitoral foi suspensa ontem como consequência do atentado que matou quatro pessoas, três delas crianças, em uma escola judaica de Toulouse, no sudoeste francês.
Morte de criança é sempre a quintessência do horror. Se as mortes, como nesse caso, são de uma tribo específica, é pior. Mais ainda na França, que tem a consciência culpada pela colaboração que parte do país deu aos nazistas na aniquilação de judeus.
Até já escrevi sobre esse tema, na Folha.com, faz precisamente dois anos. Está em http://folha.com/no710853.
Fica difícil discordar do ministro do Interior, Claude Guéant, quando ele se apressou a decretar que o episódio foi "ato antissemita".
Ninguém que não tenha o objetivo de mandar uma mensagem como a leu Guéant procura especificamente uma escola judaica para exercitar sua sanha assassina.
Mas, como se ainda fosse possível acrescentar horror ao horror, tanto o presidente Nicolas Sarkozy como o procurador da República em Toulouse veem indícios que levam a crer que o atirador de ontem é o mesmo que matou três militares e feriu gravemente um quarto, na semana passada, também em Toulouse e na vizinha Montauban.
Todas as vítimas eram descendentes de imigrantes, três do norte da África, um das Antilhas. Dois eram muçulmanos.
A mídia francesa informava à tarde que a arma utilizada fora a mesma em todos os atentados.
O noticiário eletrônico da revista "Le Point" informava, por sua vez, que, em 2008, três soldados foram expulsos, por vinculação com o neonazismo, do 17º Regimento de Paraquedistas, o mesmo ao qual pertenciam os militares atacados na semana passada e que é parte das tropas da França que estão no Afeganistão.
É claro que é cedo para estabelecer uma conexão definitiva entre todos os atentados.
Ainda assim, vale recuperar o que disse o candidato centrista François Bayrou ao visitar a escola atacada ontem: "É precisamente em momentos como esse que é preciso falar entre nós do que é a França, de nossos valores e dos dramas que explodem em nosso país".
A frase vale não apenas para a França, mas também para toda a Europa, que, em profunda crise econômica e social, está sendo crescentemente invadida por sentimentos xenófobos.
Vale também anotar frase de um pai de criança da escola atacada reproduzida pelo jornal britânico "Guardian": "O fato de sermos diferentes não significa que devamos ser mortos por isso".
O fato é que, entre os dramas que Bayrou vê explodir entre os franceses (e os europeus), o mais repulsivo é a criação de um ambiente que estimule ou mesmo tolere a perseguição aos diferentes -judeus ou muçulmanos, negros ou latinos, ou quem seja.
Não foram esses os valores em que se assentou a Revolução Francesa, aquela da liberdade, igualdade e fraternidade.
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