Folha de S.Paulo, 2/7/2012
Nem tudo é problema no mundo digital; a rede é utilizada para que as pessoas peçam e ofereçam ajuda
Desde que eu li a notícia sobre uma garota de 15 anos que tentou extorquir um empresário pela internet tenho pensado muito a respeito do mundo virtual e de seu significado social, tanto para os adultos quanto para os mais novos.
Meu primeiro passo para chegar mais perto dessa realidade foi fazer um rápido levantamento das notícias e reportagens que abordaram o assunto das relações virtuais. Fiquei bem impressionada com as constatações que fiz.
Notei, logo de largada, que na maioria das vezes em que o assunto foi abordado com destaque foram ressaltados aspectos negativos das relações das pessoas de diferentes idades com a internet.
A imprensa, de um modo geral, tem falado com bastante frequência de alguns temas como traição conjugal virtual, roubo de informações confidenciais e de dados bancários, invasão de computadores, bullying, pornografia infantil etc.
Ao lado dos pequenos dramas e até das tragédias envolvendo as relações virtuais ligadas a tais temas sempre vinham algumas boas orientações sobre como evitar ser o protagonista de um caso semelhante ao mostrado.
Claro que eu também vi, mas não com o mesmo destaque, tampouco com tanta frequência, notícias mostrando pessoas que conseguiram desfrutar do melhor lado do mundo virtual.
Homens, mulheres e jovens fizeram grandes e pequenos negócios na internet ou encontraram seus pares perfeitos; escolas adotaram o uso da rede para melhorar o aprendizado (ou seria rendimento?) dos alunos e estudantes, por iniciativa própria, conseguiram aprender muito mais usando os recursos da internet. Mas a maior parte dessas notícias estava relacionada a negócios, empreendimentos e tecnologia.
Foi assim, bastante influenciada pelo clima dos prejuízos pessoais e coletivos que a internet pode causar, que passei para o segundo passo: aventurar-me em uma rede social.
Essa experiência tem me mostrado outros lados do uso da internet. Foi nessas pesquisas virtuais que descobri uma enorme quantidade de grupos solidários. E não me refiro aqui à defesa de qualquer tipo de causa.
O que descobri foi que a rede é muito utilizada para que pessoas com problemas cotidianos tenham pontos de encontro virtuais para oferecer e pedir ajuda.
Redes solidárias de pais, por exemplo, existem muitas. Nesses pontos de encontro virtuais, mães e pais abordam desde questões práticas, como procurar informações a respeito da qualidade de determinado produto destinado ao público infantil, até questões bem mais complexas, como refletir a respeito da educação dos filhos.
O mais interessante é a generosidade dos participantes: há sempre muitos pais e mães interessados em compartilhar com os menos experientes o conhecimento que já adquiriram na lida com os seus filhos.
E tem mais: sempre há espaço para desabafos e reclamações e, de volta, sempre há encorajamentos e escuta.
Da mesma maneira, jovens que enfrentam pequenas dificuldades, tanto na convivência quanto no trabalho escolar ou nos estudos, também conseguem ter, de seus pares conhecidos reais ou virtuais, palavras de ânimo e até pistas úteis para resolver suas dificuldades escolares.
Já houve um tempo em que, no mundo real, redes solidárias semelhantes funcionavam. Parentes, amigos e vizinhos podiam, por exemplo, buscar uma criança na escola quando os pais tinham um imprevisto, dar almoço ou jantar para ela e fazer-lhe, de bom grado, companhia até que os pais chegassem. Da mesma maneira, muitos pais, em momentos de aflição, contaram com apoio de sua rede de relações.
Se o estilo de vida urbano que adotamos fez essa teia solidária quase desaparecer do mundo real, permitiu também que ela ressurgisse em outro formato.
Bendito seja esse mundo virtual.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de 'Como Educar Meu Filho?' (Publifolha) |
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