Especialistas no Rio debateram sobre o pensamento crítico na área da comunicação
Reunir pesquisadores, professores e também estudantes de graduação e pós-graduação com interesse nos campos da economia-política, da comunicação, das ciências da informação e da cultura para construir, aproximar e aprofundar mais a interlocução entre esses campos de saberes. Com esse objetivo foi organizado o V Encontro da ULEPICC Brasil (União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura) que teve como tema “Comunicação, Cultura, Informação e democracia: tensões e contradições”, realizado no Rio de Janeiro entre os dias 26 e 28 de novembro.
Para o professor Adilson Vaz Cabral Filho, do curso de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), e membro da comissão organizadora do evento, o programa foi montado com a expectativa de aprofundar as pesquisas, as reflexões e os debates relacionados ao tema central do encontro. “Tivemos uma preocupação muito grande em trabalhar a compreensão da perspectiva crítica, do pensamento crítico na área da comunicação. Como foi colocado na conferência de abertura, o papel da mídia no capitalismo, da sociedade contemporânea entrelaçados com o capital financeiro. A compreensão de que a mídia não é somente algo que diz respeito ao consumidor final, diz respeito à sociedade de um modo geral, mas ela [a mídia] está engendrada no próprio capitalismo”, explicou.
De acordo com Cabral Filho, garantir a multiplicidade de vozes e o amplo acesso a conteúdos qualificados e diversificados é o desafio enfrentado por diversos países latinos no intuito de debater políticas públicas para o setor. “Esse encontro é uma contribuição para a área da comunicação, que é muito rica não só do ponto de vista dessas linhas que constroem essas nossas interfaces políticas de comunicação e economia-política, mas também no campo do audiovisual, do jornalismo, da publicidade, pois trabalham não só a linguagem, a construção das articulações, como também a perspectiva da própria formação dessas indústrias culturais”, disse.
10 anos de ULEPICC Brasil – Durante a abertura do evento, o vice-presidente da ULEPICC Brasil, o professor Ruy Sardinha, do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP lembrou o momento de criação da entidade científica que em 2014 completa 10 anos de existência. Ele leu trechos da ata da reunião de 2004, a qual chamou de “certidão de nascimento” da ULEPICC Brasil. “O movimento inicial ainda permanece vivo. Além de uma entidade, se formou uma família, que apesar das divergências permanece unida”, disse. Ele ressaltou os objetivos da ULEPICC Brasil. “Temos uma luta epistemológica que não nos restringe, mas nos faz buscar o diálogo com várias áreas para ampliar o pensamento crítico. Esses dez anos representam um primeiro passo”, afirmou.
O evento contou com o apoio do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Informação (PPGCI/IBICT/UFRJ), da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ), do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da UFRJ, do Programa de Pós-graduação em Mídia e Cotidiano (PPGMC-UFF) / Laboratório de Pesquisas Aplicadas – LaPA, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Uni-RIO) e dos grupos de pesquisa Perfil-i – Perspectivas Filosóficas em Informação, EMERGE – Centro de Pesquisas e Projetos em Comunicação e Emergência e PEIC-ECO – Grupo de Pesquisas em Política e Economia Política da Informação e Comunicação.
Comunicação e democracia – A conferência do professor Roque Faraone da Universidad de la República (Uruguai) mostrou que o século XX começou com uma ameaça sem precedentes: o consumo sem limites de recursos naturais que impõe o sistema capitalista, conduz a um desastre ecológico total. “Para manter o padrão europeu de consumo precisaríamos de três planetas e para o americano precisaríamos de cinco”, alertou levantando a seguinte questão: “Como enfrentar esse risco numa sociedade democrática?”.
Para Faraone, a sociedade democrática é estratificada e competitiva, onde os cidadãos somente são iguais no voto. Ele apontou três problemas na relação entre comunicação e democracia. O primeiro seria a contradição constante entre a mensagem do liberalismo político e a realidade. “Na comunicação social hoje, as mensagens são elaboradas por uma minoria dirigente, que é a principal fonte de informação e de criação ideológica”, ponderou.
“Essa minoria dispõe de quase a totalidade da emissão de mensagens, com isso falam de futebol, cinema e ao mesmo tempo apresentam o sistema econômico competitivo como “natural” dissimulando aquilo que é verdadeiramente importante”, apontou o professor uruguaio como segundo problema.
Finalmente, como terceiro ponto ele colocou uma questão: como os meios de comunicação social reproduzem a atual ideologia dominante, que associa liberalismo e mercado? “Os proprietários dos meios de comunicação impõem essa ideologia; a maioria dos trabalhadores desse meio de comunicação compartilha dessa ideologia; e parte do corpo acadêmico também participa dessa ideologia”, respondeu.
Em contraponto a esses problemas, ele apresentou exemplos de iniciativas pioneiras, como o canal de TV Euronews que transmite para 27 países da União Europeia um noticiário de 30 minutos sem qualquer intervalo publicitário e o jornal francês Le Monde Diplomatique que não ocupa mais de 10% de seu espaço com publicidade. “O problema não é interpretar o mundo e sim transformá-lo. Não podemos depender do mercado para realizar nossas pesquisas”, ressaltou Faraone.
(Edna Ferreira / Jornal da Ciência), 5/12/2014
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