Diretores de escolas afirmam que gestão Fernando Haddad (PT) pressiona para não haver retenção de estudantes
Para secretário da Educação, importante é saber se desempenho vem melhorando e permite avanço de série
Os estudantes das escolas municipais de São Paulo serão aprovados de série mesmo que tenham nota vermelha em todos os bimestres, afirmou o secretário de Educação, Cesar Callegari.
Para professores e diretores de escola, isso contraria o discurso oficial de que há mais rigor com os alunos da rede municipal.
Na prefeitura, uma das principais medidas adotadas por Fernando Haddad (PT) na educação foi aumentar o total de séries em que o aluno pode ser retido.
Até então, a reprovação poderia ser feita apenas em duas das nove séries, no sistema chamado de ciclos. Passou a ser em cinco séries, a partir deste ano letivo.
Mas, segundo o secretário, o importante é avaliar se o aluno tem melhorado ou possui potencial para continuar na turma. "O sujeito teve 3, 2, 2, 4 [notas bimestrais] e, como ficou tudo no vermelho, será reprovado. Não é isso. Queremos avaliação do processo inteiro", disse à Folha.
Essa diretriz é criticada por profissionais da rede de ensino. Eles acham que a gestão Haddad faz um discurso de cobrança de desempenho dos alunos, mas na prática evita que eles sejam retidos.
Gestores têm de se equilibrar entre o fato de a reprovação aumentar a evasão e a pressão dos professores pela adoção do mecanismo, sem o qual teriam de aprovar quem não aprendeu.
Quando apresentou as mudanças, que incluíram provas bimestrais, Callegari havia afirmado que a ideia era mostrar que "educação é trabalho". As notas também passaram a ser de 0 a 10 --antes eram conceitos.
Na semana passada, o Sinesp (sindicato dos diretores de escolas municipais) divulgou comunicado em que chama de "politiqueira" a ampliação da possibilidade de reprovação para cinco séries.
A entidade diz ter denúncias de que diretores de ensino estão pressionando as escolas a não reprovarem. O processo de avaliação dos alunos está em fase final.
"Se a administração não quer mais o que está escrito nessa portaria, deve revogá-la", afirma o sindicato.
Uma professora que leciona na zona norte disse, sob condição de anonimato, que as reuniões no começo deste ano com os dirigentes indicavam que haveria liberdade para reprovar alunos. Agora, porém, a recomendação é que se reprove menos de 10% das classes, independentemente da situação dos estudantes.
"As decisões finais sempre couberam ao conselho de escola, formado por professores. O que nos incomoda é que, no discurso para a sociedade, os alunos podem ser reprovados. Mas, na verdade, quase nenhum vai", disse ela, na rede desde 2002.
O vice-presidente do Sieeesp (sindicato das escolas particulares de São Paulo), José Augusto Mattos Lourenço, afirmou que a política de reprovação nos colégios privados é diferente.
A análise da evolução do aluno só é considerada para aprovação se as notas estiverem muito próximas do mínimo exigido. "Com 2, 3, 4, ele nem vai para o conselho de classe e é reprovado."
ENTREVISTA CESAR CALLEGARI
'Reprovação não é para controlar a classe', diz secretário
No comando da educação municipal, Cesar Callegari afirma que retenções não podem ser indiscriminadas
O secretário da Educação, Cesar Callegari, afirmou que a preocupação do governo é que não haja reprovação indiscriminada de alunos após a mudança nos ciclos.
Folha - Há recomendação para não reprovar os alunos?
Cesar Callegari - Temos a preocupação de que a promoção ou a retenção de um aluno não se dê apenas por meio de uma média de notas bimestrais. O estudante teve [as notas bimestrais] 3, 2, 2, 4 e, como ficou tudo no vermelho, precisa ser reprovado. Não é isso [que queremos].
Queremos avaliação de um processo inteiro. As escolas têm essas recomendações claras, está em portaria, para que não se crie artificialismo na retenção das crianças. Às vezes, os professores se valem dessa ferramenta não necessariamente para processo pedagógico mas como um meio de controle da classe.
Outro dia vi manifestação do Sinesp insinuando que estávamos orientando escolas a não reprovar. Não temos interesse nenhum nisso. Não temos necessidade de ocultar ou revelar nada que seja devido. Mas ao mesmo tempo temos a responsabilidade, como educadores, de não criar um tropeço artificial para crianças e jovens.
Temos conversado muito com diretores regionais, eles com suas equipes. Em escolas em que percebíamos situação anormal, com perspectiva de muita repetência, tivemos trabalho junto com elas. Também com as que pareciam estar no paraíso.
Se não é apenas a nota que influencia na reprovação, o que mais é considerado?
Um conjunto de fatores. Como o menino chegou ao fim do ano? Ele pode ter chegado numa situação de crescimento, com viés de alta. Se a equipe identifica que esse menino passou a ter um viés de recuperação, de desenvolvimento, a instrução clara é que isso seja observado como ponto final.
Então, não é média, é a avaliação que o conselho de classe faz do menino. E com total autonomia. Eles podem decidir. Mas claro que podemos dar orientações.
Já é possível saber se a reprovação vai aumentar?
Concretamente, não. Acho que aumentará, mesmo comparativamente aos anos em que já era possível reter.
Muitos deficits educacionais que permaneceram ocultos acabarão se revelando. É uma grande mudança na rede. Todos os supervisores de ensino dizem que estavam destinados nos últimos anos a uma posição burocrática, para ver se os papéis estavam em ordem. Agora, são chamados a trabalhar questões de avaliações com a escola.
Aumentar reprovação não é um efeito negativo?
É o efeito verdade. O aluno retido não vai apenas repetir a mesma coisa. Ele será objeto de atenção pedagógica complementar. A mesma coisa para aquele que for promovido. Haverá equipes específicas para isso.
No Brasil, só 54% concluem ensino médio até os 19 anos
Para ONG, percentual de 2013 está abaixo da meta
Em 2013, apenas 54,3% dos jovens brasileiros terminaram o ensino médio até os 19 anos, aponta pesquisa feita pela ONG Todos Pela Educação com dados do IBGE.
O percentual está abaixo da meta estipulada pela entidade, que reúne empresários, educadores e gestores da área. Até 2022, o objetivo é ter ao menos 90% dos estudantes com ensino médio completo na idade adequada --no ano passado, esse índice já deveria estar em 63,7%.
Para Alejandra Velasco, coordenadora-geral do movimento, questões como a formação de professores e a estrutura do currículo --descolado da realidade dos jovens-- dificultam o avanço.
"Temos de 11 a 13 disciplinas obrigatórias. O tratamento dado a todas elas é superficial e carece de sentido para muitos estudantes", diz.
Esse fator é mais perceptível quando se considera o contexto socioeconômico. Enquanto 83,3% da parcela mais rica dos alunos consegue se formar dentro da idade esperada, isso só ocorre com 32,4% dos mais pobres.
"A escola ainda precisa aprender a lidar com crianças em situação de vulnerabilidade", diz Alejandra.
Para Francisco Soares, presidente do Inep (órgão do Ministério da Educação), os números apontam avanço.
"Mudanças na educação não são rápidas. Se pegarmos o longo prazo, a taxa melhorou, segundo o próprio estudo [foi de 46,6% em 2007 para 53,4% em 2013]", afirma.
No ensino fundamental (do 1º ao 9º ano), em que o prazo estipulado para conclusão é até os 16 anos, a meta também não foi atingida: ficou em 71,7% (o objetivo era chegar a 84% em 2013).
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