16 de dezembro de 2014

Sobre meritocracia, Antonio Gois


Opinião:

15 de dezembro de 2014
"Estudo de pesquisadores americanos gera debate sobre igualdade de oportunidades entre ricos e pobres", afirma Antônio Gois

Fonte: O Globo (RJ)



Numa sociedade totalmente justa, ao menos do ponto de vista da igualdade de oportunidades, ser pobre ou rico seria mera consequência do esforço pessoal. Nesse cenário utópico, e considerando a educação como principal fator de mobilidade social, jovens que mais se dedicassem aos estudos teriam, no futuro, uma renda maior do que aqueles que parassem de estudar, independentemente de sua origem social. Na vida real, no entanto, as coisas são bem diferentes. É o que mostra um estudo apresentado em outubro deste ano pelos pesquisadores Richard Reeves e Isabel Sawhill, do Instituto Brookings, de Washington.
A pesquisa analisou a trajetória de americanos nascidos em diferentes classes econômicas até completarem 40 anos de idade. Ao escrever sobre o trabalho em seu blog, o jornalista Matt O’Brien, do Washington Post, destacou um dado surpreendente: um jovem que veio de família pobre e completou o ensino superior tem a mesma chance de permanecer na pobreza em comparação com alguém que nasceu entre os mais ricos, mas não completou sequer o ensino médio.
No grupo de americanos que nasceram entre os 20% mais pobres mas conseguiram completar o ensino superior, 16 em cada 100 permaneciam, apesar do esforço, entre os mais pobres aos 40 anos. A proporção é exatamente a mesma da verificada entre americanos que nasceram entre os 20% mais ricos mas não completaram o ensino médio: aos 40 anos, 16 em cada 100 estavam entre os 20% mais pobres. A pesquisa também mostra que quando se compara grupos com o mesmo nível de escolaridade, os que nasceram em famílias mais ricas têm sempre uma vantagem em relação aos demais.
A contribuição que o estudo traz para entender os mecanismos de perpetuação da desigualdade é que o esforço pessoal, medido neste caso apenas pelo nível que cada indivíduo alcançou em sua trajetória educacional, não é o único fator a influenciar a mobilidade social. Um jovem pobre, mesmo com um diploma universitário na mão, pode encontrar mais dificuldade para achar um bom emprego que um rico que estudou menos, mas que tem em sua família ou rede de amigos conhecidos que possam lhe oferecer um posto de trabalho decente.
Também há evidências, tanto nos EUA quanto no Brasil, de que o local de residência é outro fator a inibir o acesso qualificado ao mercado de trabalho, como no caso de moradores de favelas que sofrem preconceito ao procurar emprego. Outra variável é o padrão endogâmico de casamentos: as pessoas tendem a se casar com outras de mesmo nível socioecônomico. Isso sem falar na ajuda financeira que podem receber dos pais.
Apesar de frustrante para alguém que acredita que a situação econômica deveria refletir somente o grau de esforço, os resultados da pesquisa não devem ser interpretados como prova de que, para os mais pobres, ter se esforçado para completar uma universidade foi em vão. Pelo contrário. Se apenas 16 entre 100 permaneceram no nível mais baixo de renda, isso significa que 84 tiveram alguma mobilidade social em comparação com seus pais. Para um quinto desse grupo, o salto foi gigantesco: eles saíram dos 20% mais pobres para os 20% mais ricos. No grupo dos que nasceram entre os mais ricos e não completaram o ensino médio, só 14 entre 100 se mantiveram no topo da pirâmide de renda. Não ter se dedicado aos estudos, portanto, também gera consequências negativas para o grupo dos mais ricos, mas elas são bem menos graves do que para um jovem pobre, que não pode contar tanto com a ajuda da família ou de amigos.

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