9 de dezembro de 2014

VLADIMIR SAFATLE Intervenção militar

Na próxima quarta-feira (10), a Comissão Nacional da Verdade deve apresentar o relatório de seus trabalhos. Espera-se que nomes de torturadores e assassinos sejam enfim publicados, que seus crimes sejam fartamente descritos, a fim de que, ao menos, ganhem força processos para terminar com a impunidade aos que cometeram crimes contra a humanidade durante a ditadura militar.
Mas, como por ironia da história, neste exato momento, o Brasil conhece manifestações periódicas de pessoas que saem às ruas pedindo por um golpe militar. Não uma mobilização pelo dever de memória, mas um clamor para a repetição da destruição do país.
Mas o que dizer destas pessoas? Estariam elas a exercer seu direito de liberdade de expressão expondo seu descontentamento com a situação política atual ou estariam a cometer o mais vil e torpe de todos os crimes, o mais imperdoável, a saber, este que clama pela destruição do mínimo de liberdade que dispomos atualmente?
Notem, quem sai à rua e levanta um cartaz pedindo "intervenção militar" não está fazendo a mesma coisa que alguém a gritar "Fora Dilma" ou "Fora FHC". "Fora X, Y ou Z" é algo que se ouve em todas as partes do mundo onde há descontentamento. Significa normalmente um pedido de impeachment, de renúncia ou a afirmação da deslegitimação do poder.
Já quem clama por um golpe militar pede, necessariamente, a implementação de um regime de exceção, com assassinatos sistemáticos de Estado contra oponentes, comandado por uma casta militar que fará o que o Brasil nomeará na quarta: a destruição física e simbólica de quem não está acostumado com o silêncio.
Quem quer a causa quer as consequências. Por isto, pedir por uma "intervenção militar" não é uma "opinião" política, mas pura e simplesmente o crime por excelência.
Claro que haverá aqueles a dizer que eu deveria então criticar os que saem às ruas e pedem, por exemplo, por "revolução" (onde? Faz tempo que não vejo ninguém fazer isso). No entanto, uma revolução é uma sublevação popular que dá voz ao poder instituinte. Nada a ver com um golpe que, por sua vez, é a forma máxima do fim da política.
Por isso, quem levanta um cartaz a favor de um golpe militar não pode estar na rua, mas deveria estar ou respondendo a processos por incitação à forma máxima de violência ou diretamente na cadeia.


Uma sociedade que não pune quem pratica tal violência, mas convive com os que a elogiam como se fosse algo meio pitoresco, cava sua própria cova.
Folha de S.Paulo, 9/12/2014

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