A discussão sobre educação precisa incluir a proposta de uma política de Estado específica para educação, ciência e tecnologia
DEU NO "El País". Os espanhóis discutem um pacto social e político para a educação. Partidos políticos, administradores públicos, sindicatos, associações de pais, entre vários outros grupos de diferentes colorações políticas, debatem o papel da escola pública, a carreira de professor, um diagnóstico da situação educacional na Espanha e o investimento que o governo espanhol faz em educação, entre diversos temas.
Os debates parecem infindáveis, e parcela expressiva da população já se queixa da demora. Quer ver o quanto antes um acordo que permita elevar a qualidade educacional do país -reclama, por exemplo, do desempenho de seus jovens no Pisa, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, que afere o domínio em língua, matemática e ciências. Um breve olhar sobre essa discussão inevitavelmente remete à América Latina em geral e ao Brasil em particular: os problemas, em certa medida, se assemelham. A diferença está no fato de que lá, diferentemente daqui, o debate, ainda que inconcluso, já se estabeleceu. Está na ordem do dia.
Mobiliza a população.
Os espanhóis sabem que a construção de um pacto pode ser lenta e difícil. Trata-se de costura política delicada. Mas também sabem que é factível.
Encontram exemplo na própria história do país, no célebre Pacto de Moncloa.
O então primeiro-ministro espanhol, capitaneando a transição democrática em 1977, convidou todos os partidos com representação parlamentar à negociação de um pacto que prepararia a votação da nova Constituição espanhola. Esse pacto, firmado entre as elites políticas no Palácio de Moncloa, em Madri, deu origem às modernas instituições do Estado espanhol. Isso se deu graças ao apoio tanto das representações políticas quanto do restante da sociedade espanhola em geral -e lá se vão mais de 30 anos.
Guardadas as devidas proporções, o que a América Latina necessita -e o Brasil em especial, sobretudo nesta fase promissora de sua história- é de uma espécie de Pacto de Moncloa para a educação. Ou, mantendo-se o espírito espanhol contemporâneo, de um debate aos moldes do que a Espanha promove neste momento.
Não se trata, evidentemente, como no caso do Pacto de Moncloa, de uma transição de uma ditadura, tal qual a de Francisco Franco, para a democracia. No Brasil, isso se deu há mais de 20 anos. Tampouco se trata de copiar fielmente o modelo espanhol dos dias de hoje.
Mas a iniciativa espanhola -seja a do passado, seja a atual- pode ser fonte de inspiração para as classes políticas latino-americanas, já conscientes da relevância da educação para o desenvolvimento de um país.
O debate sobre educação na América Latina tem girado em torno da necessidade de melhorar significativamente a qualidade do ensino. Mas nem sempre essa discussão inclui a proposta de uma política de Estado específica para educação, ciência e tecnologia.
Sem essa política de Estado, sobreviverão, por mais tempo, as conhecidas políticas de curto prazo, que costumam durar período equivalente aos mandatos do Poder Executivo -municipal, estadual ou federal.
Essa questão ainda não inflamou as tribunas, menos ainda com a periodicidade desejável. Com isso, desperdiçam-se tempo e dinheiro em políticas que mal saem do papel e já dão lugar a outras.
Educadores disso se queixam amiúde. Afinal, adotam um método hoje para substituí-lo amanhã, conforme o humor do Poder Executivo vigente. Tampouco há investimento na própria carreira do magistério, uma vez que, para isso, deve haver uma política educacional duradoura, segura, que permita planejamento.
Enquanto os espanhóis debatem o futuro da educação, com tudo o que ela implica para o país, os latino-americanos podem ao menos acompanhar o debate e nele buscar inspiração para finalmente dar início, aqui deste lado do globo, a discussão semelhante e até mais necessária. Afinal, a média geral dos estudantes espanhóis no mais recente Pisa (o de 2006) foi 476, e a do Brasil, 384. Se os espanhóis fazem barulho por isso, fica difícil justificar o silêncio por aqui.
JORGE WERTHEIN , sociólogo, doutor em educação pela Universidade Stanford (EUA), é vice-presidente da Sangari Brasil ex-representante da Unesco.
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