Introduzidas no currículo do ensino médio para afirmar teses "politicamente corretas" ou em resposta a pressões ideológicas e corporativas, disciplinas como cultura indígena e cultura afro-brasileira estão agravando as distorções do sistema educacional brasileiro.
Não bastasse a dificuldade que já enfrentam para ensinar aos alunos as disciplinas básicas, como português, matemática e ciências, ao serem obrigados a lecionar disciplinas criadas com o objetivo de resgatar a "dívida histórica com a escravidão" e a "dívida social com os povos da floresta", muitos professores acabam perdendo o controle dos seus cursos, transformando-os em verdadeiros pastiches de informações ideologicamente enviesadas.
Só nos últimos três anos, emendas aprovadas pelo Congresso incluíram seis novas disciplinas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Além de cultura afro-brasileira e cultura indígena, a rede escolar de ensino básico também tem de oferecer as disciplinas filosofia, sociologia, meio ambiente, regras de trânsito e direitos das crianças e dos idosos.
Tramitam ainda no Congresso centenas de projetos propondo a criação de mais "conteúdos" como esses. No levantamento que fez para sua tese de doutorado, a professora Fátima Oliveira, da Universidade Federal de Minas Gerais, constatou que só a Câmara dos Deputados recebeu 545 propostas desse tipo, entre 1995 e 2003.
O inchaço do currículo acarreta graves problemas. Compromete a adoção de novos projetos pedagógicos, obriga os professores a reduzir a carga horária das disciplinas básicas, para lecionar as novas matérias, e acarreta desperdício de recursos, pois as escolas têm de produzir material didático. Esses problemas tendem a perpetuar a má qualidade da educação básica, como deixa claro o desempenho dos estudantes brasileiros nas provas e testes internacionais de avaliação de conhecimento. Com uma alfabetização e uma formação deficientes, eles estão sempre nas últimas colocações.
Políticos, movimentos sociais e entidades engajadas defendem a introdução das novas disciplinas alegando que elas promovem a inclusão social. Segundo eles, a "escolarização" de temas sociais abriria caminho para a justiça social. Os especialistas discordam. "A escola tem de dar os fundamentos para que o aluno faça sua leitura do mundo. Não é a oferta de disciplina sobre drogas que vai garantir que o jovem se afaste do vício", diz a presidente do Conselho Nacional de Secretários da Educação, Yvelise Arcoverde.
No mesmo sentido, não são disciplinas como cultura afro-brasileira e cultura indígena que vão reduzir as disparidades de renda. Como tem sido evidenciado pelas recentes e bem-sucedidas experiências de países como a Coreia do Sul e a Índia, só a formação básica de qualidade garante a redução da pobreza e assegura o capital humano necessário a uma economia capaz de ocupar espaços cada vez maiores no mercado mundial. "Cada vez mais se está entulhando coisas nos currículos, por meio de emendas na LDB", afirma a pesquisadora Paula Lozano, da Fundação Lemann. "São tantas emendas que se torna impossível montar um currículo", argumenta Mauro Aguiar, do Colégio Bandeirantes.
Em vez de ser objeto de decisão legislativa, a organização do currículo escolar deveria ficar a cargo de órgãos técnicos e as redes escolares deveriam ter autonomia para definir os conteúdos pedagógicos que consideram necessários à formação de seus alunos. Defendendo essa tese e se empenhando para evitar o desfiguramento do ensino básico, alguns colégios particulares decidiram fazer lobby para desbastar os currículos. A ideia é que as novas disciplinas sejam lecionadas como parte das disciplinas básicas, sem necessidade de aulas exclusivas para os chamados temas sociais.
A iniciativa parece estar dando certo. Em São Paulo, por exemplo, o Conselho Estadual de Educação acaba de emitir um parecer permitindo que os conteúdos de filosofia e sociologia sejam dados dentro de outras disciplinas - como história. É um exemplo a ser seguido pelos outros Estados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário