As chamadas elites terceiro-mundistas, ao chegarem ao poder, após a descolonização, também se tornaram, com raras exceções, clientelistas
Se confrontarmos o trabalho da Organização das Nações Unidas com a confiança nela depositada nos seus dias inaugurais, vamos perceber logo que, há algumas décadas, passou a operar no vermelho. É certo que já trazia, no DNA, defeitos evidentes de fabricação.
O sistema foi edificado dentro de uma lógica que, por herança e preservação, é completamente diversa da que predomina hoje. A lógica de guerra, constitutiva da história que a percepção e o sofrimento de Walter Benjamin tão bem identificaram como "a história dos vencedores".
Agora, na agenda de refundação das Nações Unidas, a todo instante reclamada por todos, prevalece a escolha da declaração de paz sobre a declaração de guerra, e nisto o Brasil vem se ajustando, faça-se justiça, aos sinais do tempo.
Essa agenda é bastante ampla e diversificada, e a conheço razoavelmente, por ter vivido por dentro, durante sete anos, o capítulo da cooperação intelectual, particularmente no campo da educação, da cultura, da ciência e da comunicação, justamente a área que vem registrando ultimamente um inaceitável declínio. Apoderou-se da Unesco, infiltrou-se pelo seu corpo, contaminou a sua alma uma anorexia cognitiva devastadora.
Programas como educação de qualidade para todos, escola na primeira infância, ensino fundamental, médio, à distância, formação de formadores, a cidade moderna, diversidade cultural, sociedade do conhecimento, caminhos do pensamento, cultura da paz, a rede de fortalecimento do ensino superior, em boa hora implantada, a UNITWIN, não têm prosperado.
Faltam igualmente os enlaces constantes com a comunidade acadêmica, instância legitimadora por excelência.
Os Estados-membros de contribuição majoritária mandam e desmandam. O Brasil sempre foi Estado devedor. As chamadas elites terceiro-mundistas, ao chegarem ao poder, depois do sofrido processo de descolonização, também se tornaram, com raríssimas exceções, fisiológicas e clientelistas.
O sistema não tem representatividade, logo não tem legitimidade.
Ou vice-versa. Somos levados a supor que a educação e a cultura podem caminhar no sentido desse começar da história.
Da história social, econômica e política. Sem a herança maldita do século 20 e sem as "fichas sujas".
Também sem muito esperar das ciências sociais. Elas foram, especialmente a economia, as protagonistas do século que passou. E deu no que deu. Não foram a filosofia, a literatura e as artes as responsáveis pela crise maior, da qual não saímos ainda.
Embora a história atual, nuclearizada, pareça se esforçar para alcançar o fim, todo fim tem um começo, porém nem todo começo conduz necessariamente a um fim.
Política jamais pode ser negócio.
Deve ser negociação emancipada.
E, neste minuto, vamos necessitar da sustentabilidade ética. Nunca da ética predicativa, abstrata, dos nossos finados liberais, mas a ética da discussão, do debate democrático, propositivo e promissor.
As Nações Unidas têm sido reprovadas nos testes mais criteriosos em situações de risco. Mas ela é necessária e imprescindível. Não esta que se encontra aí, a do "fim da história". Outra, bem diferente, a do começo da história.
EDUARDO PORTELLA, 77, escritor e professor de pós-graduação da UFRJ, é diretor de pesquisas do Colégio do Brasil e fundador e diretor da "Revista Tempo Brasileiro". Foi ministro da Educação, Cultura e Esportes (governo João Figueiredo), diretor-geral-adjunto e diretor-geral-substituto da Unesco (Paris, 1988-1993) e presidente da Conferência Geral da Unesco (Paris, 1994-1996).
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